
Comércio ilegal ameaça biodiversidade marinha e desafia fiscalização ambiental no Brasil.
Os cavalos-marinhos estão desaparecendo das águas brasileiras — e a culpa não é apenas da poluição ou da destruição de habitats. Desidratados, mortos e vendidos como chaveiros ou usados na medicina tradicional, mais de 5 milhões desses animais foram traficados entre 2012 e 2021. Os dados alarmantes são de um estudo inédito publicado pela organização Monitoramento do Comércio da Vida Selvagem (Traffic), que acendeu o alerta sobre a escala global do problema e apontou o Brasil como um dos principais centros do tráfico.
O relatório, divulgado em junho de 2025, revela que o país exportou ilegalmente cerca de 1 milhão de cavalos-marinhos durante o período analisado, a maioria com destino à China e Hong Kong. Apesar de a comercialização estar proibida desde 2004 por resolução do Ibama, o tráfico persiste, muitas vezes sob a falsa alegação de que os animais foram capturados como “subproduto” da pesca de camarões.
Mercado sombrio, lucros silenciosos
A aparência frágil e exótica do cavalo-marinho, espécie símbolo de delicadeza marinha, esconde um mercado cruel. Uma parte considerável dos animais apreendidos estava desidratada e armazenada em sacos plásticos, indicando que seriam vendidos como souvenirs. Outros têm destino ainda mais preocupante: são utilizados na medicina tradicional chinesa, onde se acredita — sem comprovação científica — que suas propriedades curam doenças e aumentam a vitalidade sexual.
O estudo identificou ainda que a maioria das apreensões aconteceu em aeroportos, indicando que o tráfico é internacional e estruturado. Uma das maiores apreensões ocorreu em 2023, no Aeroporto Internacional de São Paulo, quando mais de 4 mil cavalos-marinhos desidratados foram encontrados escondidos em bagagens de mão.
Espécie ameaçada e falta de fiscalização
As três espécies de cavalos-marinhos encontradas no Brasil — Hippocampus reidi, H. erectus e H. patagonicus — são todas vulneráveis à extinção. Segundo especialistas do Instituto de Estudos Costeiros da UFPA e da ONG SeaLife Conservation, a perda desses animais afeta profundamente os ecossistemas marinhos, já que eles são bioindicadores da saúde ambiental dos estuários e recifes.
Embora a lei brasileira proíba a comercialização, faltam fiscalização efetiva e estrutura para impedir a retirada ilegal desses animais. A pesca artesanal, responsável por parte das capturas, carece de políticas públicas de educação ambiental e alternativas econômicas sustentáveis. “A proteção só funciona com fiscalização ativa e engajamento comunitário”, afirma a bióloga Renata Figueiredo, pesquisadora da USP.
Propostas e caminhos para a proteção
O estudo da Traffic sugere melhorias urgentes nas políticas de monitoramento, controle alfandegário e ampliação da cooperação internacional. Defende ainda o incentivo ao turismo ecológico responsável e à pesquisa científica como alternativas de valorização econômica dos cavalos-marinhos vivos e em seus habitats naturais.
Organizações brasileiras, como a Projeto Cavalos-Marinhos do Brasil, também reforçam a necessidade de incluir as espécies em planos nacionais de conservação e pressionam o governo federal a retomar as fiscalizações nos portos e aeroportos — ações que foram drasticamente reduzidas nos últimos anos.
Com o aumento da visibilidade internacional, espera-se que o Brasil reforce o compromisso com a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Ameaçadas (CITES) e adote mecanismos mais eficazes de combate ao tráfico de espécies silvestres.