A crise ética e institucional na Câmara dos Deputados atingiu um ponto crítico — e revelador. Três parlamentares federais, todos envolvidos em crimes graves, estão fora do país: Alexandre Ramagem, condenado e foragido; Carla Zambelli, condenada e presa na Itália aguardando extradição; e Eduardo Bolsonaro, que se recusa a voltar ao Brasil alegando temor de prisão.
Apesar de ausentes, impossibilitados de exercer suas funções e envolvidos em escândalos de alta gravidade, continuam deputados.
Continuam recebendo salários.
Continuam custando aos cofres públicos.
E continuam sendo politicamente protegidos pela própria Casa que deveriam honrar.
No centro desse movimento silencioso e corrosivo, está o presidente da Câmara, Hugo Motta, cujo desempenho tem sido marcado não por firmeza institucional, mas por uma complacência que beira a cumplicidade.
Três deputados, três escândalos — e um Legislativo que finge normalidade
Alexandre Ramagem — fuga admitida pela própria família
Condenado a 16 anos de prisão pelo STF por participação em articulações golpistas e espionagem ilegal, Ramagem estava proibido de deixar o país. Isso não o impediu de desaparecer.
Foi localizado nos Estados Unidos e teve sua prisão decretada. A própria esposa reconheceu publicamente que ele havia fugido.
Mesmo assim, segue com mandato ativo — e salário em dia.
Carla Zambelli — condenada, foragida e presa na Itália
Condenada a 10 anos por falsidade ideológica e por articular a invasão do sistema eletrônico do CNJ, Zambelli não apenas fugiu: escolheu um país onde possui cidadania, acreditando que isso a protegeria da Justiça brasileira.
Foi presa na Itália e aguarda extradição.
Na Câmara, aliados seguem agindo para atrasar qualquer processo de cassação.
Eduardo Bolsonaro — ausência estratégica
Licenciado do cargo, filho do ex-presidente segue confortavelmente nos EUA, alegando “medo de ser preso”.
Enquanto tece teorias conspiratórias nas redes e mantém articulação política paralela, seu mandato permanece intocado — mais um símbolo do descolamento entre responsabilidade institucional e práticas reais.
PEC da Blindagem: o escudo institucional que a Câmara tentou construir — e que o Senado derrubou
A conivência não é apenas silenciosa: ela foi tentada, de forma explícita, na forma de uma mudança constitucional.
Em 2025, a Câmara aprovou a chamada PEC da Blindagem — uma tentativa de criar um muro legal que tornaria quase impossível processar deputados e senadores.
Se aprovada integralmente, ela exigiria:
- votação secreta na Câmara e no Senado para autorizar qualquer ação penal contra parlamentar;
- maioria absoluta para permitir que o Ministério Público processasse um deputado;
- foro privilegiado ampliado para presidentes de partidos.
Era o pacote pronto da impunidade constitucionalizada.
Hugo Motta liderou pessoalmente a articulação.
Defendeu a PEC como proteção contra “abusos judiciais”.
Aprovou os dois turnos em velocidade recorde.
E deu aos parlamentares uma ferramenta para blindar colegas investigados nas mais diversas frentes.
Mas, quando o texto chegou ao Senado, o estrago reputacional já era grande demais.
A Comissão de Constituição e Justiça rejeitou a PEC por unanimidade — algo raro — classificando-a como retrocesso institucional.
A repercussão pública levou milhares às ruas.
Juristas, entidades e movimentos denunciaram o ataque ao Ministério Público e ao Judiciário.
No fim, o Senado enterrou a proposta.
A tentativa, porém, expôs um diagnóstico incontornável: parte significativa da Câmara está mais preocupada em proteger seus criminosos do que em proteger a democracia.
Hugo Motta: o presidente que assiste, permite — e ajuda
O papel de Hugo Motta não é secundário. Ele não é apenas um gestor omisso.
Ele é o articulador de uma dinâmica de autopreservação que mantém:
- deputados condenados exercendo mandatos;
- foragidos recebendo salários;
- investigados influenciando votações;
- e uma Casa inteira resistindo a qualquer mecanismo de responsabilização.
Na prática, sua gestão tem consolidado a ideia de que a Câmara é um abrigo político onde crimes cometidos por parlamentares não levam à perda automática do mandato — mas apenas a um prolongado teatro burocrático, quase sempre sem desfecho.
Por que isso importa — e muito
- Normaliza a criminalidade dentro do Parlamento.
Ter condenados, foragidos e conspiradores como legisladores não é apenas um problema ético; é um problema democrático. - Reforça a percepção de que a Câmara trabalha para si — e não para o país.
Blindagem, manobras, protelações: tudo isso mina a confiança pública. - Abre espaço para novas crises institucionais.
Quando os poderes se tornam seletivos na aplicação da lei, o Estado de Direito se fragiliza — e autoritarismos ganham terreno. - Desgasta a democracia por dentro.
Não é a oposição, o Judiciário ou a imprensa que colocam a Câmara em crise.
É a própria Câmara que escolhe se afundar nela.
Uma Câmara que nos envergonha
Ramagem fugido.
Zambelli presa no exterior.
Eduardo Bolsonaro conspirando de longe.
E todos ainda deputados federais, pagos pelo contribuinte.
A tentativa de aprovar a PEC da Blindagem — felizmente derrotada no Senado — mostra que não se trata apenas de casos individuais, mas de um sistema inteiro mobilizado para impedir que parlamentares respondam por seus crimes.
Sob o olhar complacente de Hugo Motta, a Câmara dos Deputados não apenas falha em proteger o Brasil: ela protege quem ameaça suas instituições.
