Como aluguéis temporários por aplicativo afetam o mercado de moradia nas grandes cidades da Europa — e o alerta para o Brasil

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O que começou como uma alternativa simpática de hospedagem entre viajantes e moradores locais se transformou, nas últimas duas décadas, em um problema estrutural para grandes centros urbanos. Em cidades europeias como Lisboa, Barcelona, Roma e Amsterdã, o avanço de plataformas como Airbnb e Vrbo sobre o mercado imobiliário residencial provocou um efeito dominó: expulsão de moradores, explosão nos preços dos aluguéis e protestos de rua contra o turismo massivo.

Agora, o alerta começa a soar também no Brasil — especialmente em capitais turísticas como Rio de Janeiro, Salvador e Florianópolis — onde os primeiros sinais de pressão sobre o mercado de moradias já são visíveis.

De solução alternativa à crise habitacional

Nos anos 2010, alugar o quarto vago do apartamento virou tendência global. A ideia vendida por plataformas era simples: rentabilizar espaços ociosos e promover um turismo mais acessível e “autêntico”. A realidade, no entanto, foi ganhando outros contornos.

Estudos recentes do Parlamento Europeu e de institutos como Exceltur mostram que, nas regiões centrais das principais capitais europeias, até 20% dos imóveis residenciais foram convertidos em hospedagem de curto prazo. O resultado: aumento da especulação, escassez de imóveis para aluguel convencional e valorização artificial de bairros inteiros — o que expulsou moradores tradicionais e acelerou a gentrificação.

Em maio de 2025, a Espanha anunciou a remoção de mais de 65 mil anúncios ilegais do Airbnb em cidades como Madrid, Sevilha e Valência. Barcelona foi mais longe: decretou o fim de todas as licenças de apartamentos turísticos até 2028. A decisão foi confirmada pelo tribunal regional da Catalunha e aplaudida por movimentos populares.

Cidades turísticas sob tensão

Os dados ajudam a dimensionar o fenômeno. Segundo o Eurostat, em 2023, plataformas como Airbnb e Booking movimentaram mais de 719 milhões de noites em hospedagens na União Europeia. Esse volume tem crescido ano após ano, enquanto a construção de novas habitações não acompanha a demanda da população residente.

A cidade de Lisboa é um exemplo emblemático. Desde o boom imobiliário incentivado pelo “visto gold”, milhares de imóveis foram adquiridos por investidores estrangeiros — muitos convertidos em alugueis de temporada. Hoje, segundo o município, um quarto das casas no centro histórico está em mãos de empresas de locação turística.

O cenário gerou protestos. Em junho, manifestantes tomaram as ruas de cidades como Florença, Málaga, Palma de Mallorca e Atenas com palavras de ordem contra o “turismo predatório” e o “despejo dos pobres”.

Airbnb responde, mas controvérsias persistem

A empresa Airbnb contesta parte das críticas. Em nota recente, a plataforma afirmou que “mais de 60% das hospedagens acontecem fora dos centros históricos” e que os anfitriões profissionais são minoria. Também nega que sua atuação esteja diretamente ligada à alta dos preços dos aluguéis, culpando o desequilíbrio entre oferta e demanda no setor imobiliário tradicional.

Ainda assim, cidades como Viena, Paris, Amsterdã e Edimburgo adotaram medidas rígidas: limitar o número de dias por ano que uma residência pode ser alugada, criar registros obrigatórios para anfitriões e estabelecer zonas livres de locações temporárias.

O alerta para o Brasil

Embora o problema ainda não tenha a mesma escala no Brasil, especialistas alertam que o país repete padrões preocupantes. Em cidades turísticas, cresce o número de imóveis que migram do aluguel tradicional para o modelo de temporada.

“Estamos começando a ver no Brasil os efeitos colaterais que explodiram na Europa. O Airbnb se transformou em um mercado imobiliário paralelo, sem a mesma regulação e com impactos reais na vida urbana”, afirma a urbanista Mariana Borges, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Capitais como Rio e Salvador já apresentam aumento no número de imóveis disponíveis apenas para turistas, especialmente nas zonas nobres e litorâneas. O resultado, segundo especialistas, é a redução da oferta de moradia acessível, a expulsão de comunidades tradicionais e a distorção de preços para os moradores locais.


Caminhos possíveis: o que fazer?

O debate sobre regulação do Airbnb ainda engatinha no Brasil. Algumas cidades discutem regras específicas, mas falta uma política nacional unificada. A experiência europeia, no entanto, oferece caminhos:

  • Limites de dias por imóvel alugado
  • Registros públicos obrigatórios de anfitriões
  • Tributação específica para locações de curta duração
  • Reversão de parte da renda gerada em políticas habitacionais

Enquanto isso, especialistas recomendam atenção às zonas turísticas que começam a sentir os impactos. “O Brasil ainda tem a chance de aprender com os erros da Europa”, afirma Mariana Borges. “Mas o tempo é curto. A expansão descontrolada desses aplicativos pode tornar as cidades brasileiras ainda mais desiguais.”