O destino de uma das regiões mais sensíveis do planeta está nas mãos do presidente Lula, e a população brasileira já deixou sua posição clara. Enquanto a Petrobras mantém um navio sonda em espera, acumulando custos milionários, a sociedade questiona se o preço ambiental dessa aposta vale o risco.
Uma pesquisa Datafolha revelou que 61% dos brasileiros querem que o governo proíba a exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas. O levantamento, divulgado às vésperas da COP30 em Belém, expõe a tensão entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Entre os jovens, a rejeição atinge 73%, evidenciando uma consciência geracional sobre a crise climática.
A voz da maioria contra o petróleo
A pesquisa nacional do instituto Datafolha, encomendada pela organização de responsabilização corporativa Eko, ouviu 2.005 brasileiros antes da COP30, evento climático que ocorre em Belém no próximo mês. O estudo foi realizado presencialmente em 112 municípios de todas as regiões do país, entre 8 e 9 de setembro, com margem de erro de 2 pontos percentuais.
A rejeição é ainda mais expressiva entre os jovens de até 24 anos, faixa etária em que 73% são contra o projeto, que aguarda há anos por licenciamento, ainda sem o aval do Ibama. Esse dado representa não apenas uma opinião, mas uma declaração de que as gerações futuras não aceitam arriscar seus ecossistemas por recursos fósseis.
A pesquisa acontece em um momento crítico para o projeto. A Petrobras busca perfurar um poço exploratório na região para verificar a existência de reservas petrolíferas em águas profundas do Amapá, com expectativa de abrir uma nova fronteira exploratória. Contudo, a empresa vem enfrentando forte resistência de grupos da sociedade e até mesmo de parte dos integrantes do governo federal.
O custo da espera e a pressão por decisões
Além disso, os números financeiros revelam a magnitude da aposta da estatal. A Petrobras já acumulava gastos, até a semana passada, de cerca de R$ 180 milhões para manter um navio sonda de prontidão na Bacia da Foz do Amazonas, enquanto aguarda decisão do Ibama sobre se poderá perfurar na região. O valor cresce diariamente, transformando a espera em uma das operações mais caras da história recente da empresa.
O Ibama afirmou ao final de setembro ter aprovado um simulado de emergência na área onde o poço será perfurado, mas solicitou ajustes à Petrobras, antes de apresentar sua decisão final sobre o licenciamento. A empresa aguarda uma resposta do órgão ambiental que pode redefinir o futuro energético brasileiro.
Apesar das dificuldades enfrentadas pela Petrobras, o interesse da indústria petrolífera na região permanece inabalável. Em junho deste ano, Petrobras, ExxonMobil, Chevron e CNPC arremataram 19 de 47 blocos exploratórios de petróleo e gás ofertados na bacia. O movimento demonstra que, independentemente da decisão sobre o poço específico, a pressão para explorar a Foz do Amazonas continuará forte.
Consciência climática e descrença política
Paralelamente, a pesquisa revelou dados preocupantes sobre a percepção da população quanto às políticas ambientais. 77% dos entrevistados disseram concordar com a meta do governo Lula de acabar com todo o desmatamento ilegal até 2030. Entretanto, apenas 17% acreditam que o governo conseguirá cumprir esse objetivo. A contradição expõe uma crise de confiança nas instituições brasileiras.
60% avaliaram que os efeitos das mudanças climáticas, como enchentes e ondas de calor, estão causando um impacto negativo sobre eles e suas famílias. Não se trata mais de uma ameaça distante ou teórica. As consequências da crise climática já são sentidas no cotidiano dos brasileiros, influenciando suas opiniões sobre novas fronteiras de exploração de combustíveis fósseis.
Ademais, 81% dos entrevistados acreditam que o governo deveria fazer mais para proteger as comunidades marginalizadas das mudanças climáticas. O dado reflete uma crescente consciência sobre justiça climática e a necessidade de políticas públicas que protejam os mais vulneráveis.
O dilema presidencial e o legado em jogo
O presidente Lula se encontra em uma encruzilhada política e ambiental. Por um lado, defendeu publicamente diversas vezes o direito do Brasil de explorar seu potencial petrolífero. Por outro, enfrenta pressão internacional e doméstica para consolidar seu legado como líder climático, especialmente com a proximidade da COP30.
Vanessa Lemos, coordenadora de campanhas da Eko, declarou que “os próximos meses serão decisivos para o legado de Lula. A maioria dos eleitores brasileiros quer que ele proteja a natureza e o clima, mas, no momento, ele está deixando que as empresas poluidoras tomem as decisões”. A organização ressalta que restam apenas alguns anos para reduzir rapidamente as emissões e preservar ecossistemas frágeis como a Amazônia.
Impactos ambientais e riscos à biodiversidade
Meio século de exploração petrolífera deixou a maior floresta tropical do mundo marcada por desmatamento, contaminação da água e poluição do ar. Terras indígenas foram invadidas e disparidades econômicas foram exacerbadas. Uma nova onda de perfurações ameaça perpetuar esse legado destrutivo.
A região da Foz do Amazonas abriga uma biodiversidade única. A perfuração nesta região ecologicamente sensível pode impactar comunidades tradicionais e reservas naturais. Além disso, entre 2023 e 2025, foram registrados 170 mamíferos marinhos mortos ou enfraquecidos e 907 tartarugas marinhas ao longo da costa amazônica, números que já preocupam antes mesmo do início da perfuração.
Críticos afirmam que expandir a extração de petróleo sob o pretexto de financiar soluções climáticas é uma justificativa falha. Ativistas destacam o potencial de danos ambientais significativos, incluindo ameaças à biodiversidade e às comunidades indígenas.
Contexto internacional e pressão por mudanças
A floresta amazônica está emergindo como a nova fronteira global do petróleo, com meio século de perfurações deixando cicatrizes profundas. O Brasil não está sozinho nesse dilema. Diversos países amazônicos enfrentam pressões semelhantes entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental.
A COP30, marcada para novembro em Belém, será um palco crucial para essa discussão. Como país-sede, o Brasil terá os olhos do mundo voltados para suas políticas ambientais. A decisão sobre a Foz do Amazonas pode definir não apenas o futuro energético nacional, mas também a credibilidade brasileira nas negociações climáticas globais.
A pesquisa Datafolha revela um país dividido entre o passado fóssil e um futuro sustentável. Com 61% da população contrária à exploração, o recado da sociedade brasileira está dado. No entanto, interesses econômicos poderosos e a necessidade de recursos financeiros criam uma equação complexa para o governo.
O presidente Lula enfrenta uma decisão que transcende a política energética. Trata-se de escolher entre atender aos apelos da indústria petrolífera ou responder ao clamor popular por proteção ambiental. Com a COP30 no horizonte e os custos da Petrobras aumentando diariamente, o tempo para decidir está se esgotando.
A Foz do Amazonas representa mais do que uma potencial reserva de petróleo. É um símbolo da encruzilhada civilizatória em que nos encontramos: continuar dependentes de combustíveis fósseis ou arriscar uma transição para energias limpas. A resposta que o Brasil dará a essa pergunta ecoará muito além de suas fronteiras.
