Brasil ainda tem 5,4% das crianças indígenas sem certidão de nascimento, revela IBGE

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Apesar dos avanços registrados nos últimos anos, o Brasil ainda enfrenta um déficit preocupante de registro civil entre crianças indígenas. Dados do Censo 2022 do IBGE mostram que 5,42% das crianças indígenas com até cinco anos de idade não possuem certidão de nascimento — um índice dez vezes maior que a média nacional, de 0,51% para essa faixa etária.

Ao todo, o país conta com 1,69 milhão de pessoas que se autodeclaram indígenas, distribuídas entre 391 etnias e 295 línguas. A ausência do registro civil, porém, impede parte dessa população de acessar serviços essenciais como escola, saúde e programas sociais.

Avanços, mas desigualdades persistem

Entre 2010 e 2022, houve melhora significativa na cobertura de registro entre crianças indígenas. Há 12 anos, apenas 65,6% das crianças indígenas de até cinco anos tinham certidão; em 2022, o percentual subiu para 87,5%. Ainda assim, o índice continua muito abaixo dos 99,3% registrados entre as demais crianças brasileiras.

O Registro Administrativo de Nascimento Indígena (RANI) — documento usado por comunidades distantes dos centros urbanos — também teve redução no uso: passou de 24,5% em 2010 para 5,7% em 2022, refletindo uma transição gradual para o registro civil convencional.

Desigualdades regionais e vulnerabilidade

A região Norte concentra a maior parte dos casos de crianças indígenas sem certidão. Em alguns municípios do Amazonas e de Roraima, a cobertura de registro é inferior a 40%. Em Alto Alegre (RR), por exemplo, apenas 37,7% das crianças indígenas de até cinco anos têm certidão de nascimento emitida em cartório.

A dificuldade de acesso está ligada a fatores como isolamento geográfico, ausência de cartórios próximos, barreiras linguísticas e falta de transporte. Em muitas aldeias, os partos ocorrem fora de unidades de saúde e sem emissão da Declaração de Nascido Vivo (DNV) — documento que inicia o processo de registro civil.

Além disso, as condições precárias de saneamento, moradia e educação aumentam a vulnerabilidade e limitam a integração com os serviços públicos.

Por que a certidão é essencial

A certidão de nascimento é o primeiro documento que formaliza a existência de uma pessoa perante o Estado. Sem ela, o acesso a escolas, vacinas, programas sociais, benefícios e documentos como RG e CPF fica comprometido.

No caso dos povos indígenas, a falta de registro agrava a invisibilidade jurídica e social, ampliando desigualdades históricas e limitando o exercício pleno da cidadania.

Caminhos para a inclusão

A meta das Nações Unidas de garantir o registro civil universal ainda não se concretizou plenamente no Brasil. Para especialistas, é fundamental que o país articule ações integradas entre cartórios, órgãos de saúde, defensorias públicas e lideranças indígenas.

Isso inclui a realização de mutirões itinerantes, atendimento multilíngue e uso de tecnologias móveis para alcançar aldeias remotas. Também é necessário que os registros considerem nomes tradicionais e identidades culturais, respeitando as particularidades de cada povo.

Um desafio de cidadania

O contraste entre o crescimento do reconhecimento étnico e a persistência de lacunas no registro civil evidencia um paradoxo: quanto mais o país avança na valorização da diversidade, mais evidentes ficam as falhas estruturais que impedem a inclusão completa dos povos originários.

Garantir que toda criança indígena tenha seu nascimento registrado não é apenas uma formalidade burocrática — é reconhecer oficialmente sua existência, sua cultura e seu direito de pertencer a uma nação plural.

Nos próximos anos, o desafio do Brasil será transformar o reconhecimento estatístico em reconhecimento civil, garantindo que cada nome, cada língua e cada povo estejam não apenas nos números do Censo, mas também nos registros do país.