
Caso envolve estudante que defende exclusão de não brancos da Constituição e provoca debate sobre racismo, antissemitismo e neutralidade institucional. Enquanto ele atacava negros e migrantes não houve reação dura da Universidade, apenas quando ameaçou judeus em redes sociais ele foi suspenso.
A concessão de um prêmio acadêmico a um estudante que defende abertamente a supremacia branca gerou uma onda de indignação e tensão na Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, e reacendeu o debate sobre os limites da liberdade de expressão no meio acadêmico. O caso, revelado em reportagem do jornalista Ricardo Fausset, do The New York Times, expõe um problema mais profundo: enquanto discursos de ódio contra negros, latinos, palestinos e migrantes são muitas vezes tolerados ou minimizados, ataques contra judeus costumam provocar reações institucionais mais imediatas e severas.
O estudante em questão é Preston Damsky, 29 anos, aluno da Faculdade de Direito Fredric G. Levin. Em um seminário sobre “originalismo” — corrente jurídica conservadora que interpreta a Constituição com base em seu contexto histórico —, Damsky apresentou um artigo no qual sustenta que a expressão “Nós, o Povo” se referia exclusivamente a pessoas brancas. Ele defendeu, ainda, a revogação de direitos de voto para não brancos e o uso de força letal contra migrantes na fronteira.
Mesmo com esse conteúdo, Damsky foi agraciado com o “prêmio literário” da disciplina, que o consagrou como o melhor aluno da turma. A aula foi ministrada pelo juiz federal John L. Badalamenti, indicado pelo ex-presidente Donald Trump. O magistrado, que também integra a conservadora Sociedade Federalista, não comentou o caso nem esclareceu os critérios da premiação.
Universidade cita “neutralidade institucional”
A reitora interina da faculdade, Merritt McAlister, justificou a escolha afirmando que a universidade está legalmente obrigada a respeitar a liberdade de expressão dos alunos e que os professores não devem penalizar ideias, mesmo que sejam controversas. Em e-mail à comunidade acadêmica, ela invocou a chamada “neutralidade institucional” — uma política que prega que instituições públicas evitem tomar partido em questões polêmicas.
“O governo — neste caso, nossa universidade pública — evita escolher lados, para que, por meio do mercado de ideias, você possa debater e chegar à verdade para si mesmo e para a comunidade”, escreveu a reitora.
Escalada nas redes sociais
No entanto, a situação ganhou novos contornos em fevereiro, quando Damsky criou uma conta na rede social X (antigo Twitter) e passou a publicar mensagens abertamente racistas e antissemitas. Em uma das postagens mais polêmicas, afirmou que “os judeus deveriam ser abolidos por todos os meios necessários”. A universidade então suspendeu o estudante, proibiu sua entrada no campus e reforçou a segurança ao redor da faculdade de direito. Damsky agora responde a um processo disciplinar e pode ser expulso.
Apesar disso, o estudante afirma que está sendo perseguido injustamente por expressar suas ideias. Em entrevista ao NYT, negou representar uma ameaça e se disse influenciado por autores como Sam Francis e Richard Lynn — ambos defensores da supremacia branca e da eugenia. “Sabe, eu não sou um assassino psicopata”, declarou.
Alunos e professores questionam critérios
A repercussão dentro da universidade foi imediata. Estudantes — em especial negros, judeus e latinos — relataram sentir medo e insegurança. Alguns procuraram apoio junto a professores visitantes, como a jurista Carliss Chatman, da Southern Methodist University, que criticou o silêncio institucional e a disparidade de tratamento.
“Acho fascinante que este aluno possa escrever um artigo, uma série de artigos que são essencialmente manifestos, e isso é liberdade de expressão, mas minha aula não pode ser chamada de ‘Raça, Empreendedorismo e Desigualdade’”, disse a professora ao NYT.
Ela se referia à recusa da universidade em manter o nome original da disciplina que propôs, substituído por “Empreendedorismo” para evitar conflitos com as diretrizes estaduais que restringem o debate sobre diversidade e equidade racial.
Repercussões além do campus
As ideias defendidas por Damsky não são inéditas, mas remetem aos textos fundadores da Ku Klux Klan, como apontou o professor Evan D. Bernick, da Northern Illinois University. Ainda assim, o estudante chegou a receber uma oferta de estágio no Ministério Público estadual, que foi posteriormente revogada.
“Ter alguém no escritório que defende esse tipo de crença causaria uma desconfiança significativa na imparcialidade dos processos”, afirmou o promotor Brian Kramer, responsável pela decisão.
Mesmo diante das críticas, há quem defenda a postura da universidade. O professor John F. Stinneford, da própria faculdade de direito, argumenta que seria “má conduta acadêmica” reprovar um trabalho tecnicamente bem feito por discordância ideológica. “Você deveria deixar de lado seus escrúpulos morais e dar-lhe um A”, declarou.
No entanto, outros estudantes preferiram não se manifestar publicamente, temendo represálias ou prejuízos na carreira. Um deles, que conversou com o NYT sob anonimato, relatou ter perdido uma proposta de emprego após criticar o artigo e a decisão do juiz.
Debate expõe hierarquia de reações
O caso de Preston Damsky, como destaca Fausset, revela um padrão preocupante: enquanto ataques contra negros, latinos e imigrantes são, em muitos casos, relativizados sob a bandeira da liberdade de expressão, a retórica antissemita continua sendo a linha vermelha que mobiliza reações institucionais rápidas. Isso levanta uma pergunta incômoda: por que o racismo contra certos grupos ainda é tolerado — ou até premiado — em ambientes que se dizem formadores de cidadãos?
Mais do que um escândalo acadêmico, a história reflete o momento político dos EUA, onde discursos extremistas ganham força e são muitas vezes normalizados sob o pretexto da neutralidade. Como bem resumiu a professora Chatman: “Não deveríamos dar prêmios a coisas que defendem a supremacia branca e o poder branco”.