Tarifaço de Trump: entre a soberania brasileira e o teatro geopolítico da humilhação

As análises sobre a ação brasileira diante do tarifaço de 50% anunciado pelo presidente Donald Trump beiram o ridículo. Agora, certos analistas lamentam que o presidente Lula não tenha telefonado pessoalmente para Trump, como se um gesto de subserviência pudesse reverter uma medida tão autoritária quanto unilateral. O tarifaço foi anunciado por Trump em uma rede social, sem qualquer aviso prévio às autoridades brasileiras, ignorando por completo os meios diplomáticos formais. O mais grave: o próprio ex-presidente norte-americano admitiu que se trata de uma retaliação pelo julgamento de Jair Bolsonaro no Brasil.

Não houve qualquer espaço para diálogo. Trump não abriu canais, não fez convites, não estabeleceu pontes. Apenas puniu. E fez isso com orgulho, ao estilo de quem não deve satisfações a ninguém. Disse que fez porque pôde. E ponto.

Ainda assim, os tais “analistas” insistem que Lula deve ligar, mesmo que Trump não atenda. O argumento é quase infantil: mostrar que o Brasil quer negociar. Mas negociar o quê, se a decisão é nitidamente política, pessoal e hostil? Desde quando um pedido de clemência feito por telefone, de forma humilhante, revoga uma punição pensada para demonstrar força e alimentar a base eleitoral trumpista?

O tarifaço como arma política da extrema direita

A retaliação anunciada por Trump foi um pedido velado — ou talvez nem tanto — da família Bolsonaro. Uma forma de castigar o Brasil por não ter se curvado à tentativa de golpe de 2023. Trata-se, portanto, de uma interferência externa grave nos assuntos internos de um país soberano. Pior: de uma retaliação feita para agradar um grupo político condenado e desmoralizado dentro de sua própria nação.

Ao impor um tarifaço sobre produtos brasileiros, Trump age como chefe de facção, e não como líder de Estado. Usar a máquina norte-americana para se vingar de uma decisão da Justiça brasileira é um ataque direto à nossa soberania. Se o Brasil aceitasse isso em silêncio ou com gestos de submissão — como um telefonema bajulador — estaria dando aval a futuras ingerências ainda mais graves.

Soberania não se negocia por telefone

Diante desse cenário, cabe perguntar: por que Lula deveria fazer essa ligação? Para implorar perdão por termos defendido nossa democracia? Para mostrar que estamos dispostos a engolir um tarifaço político e ainda agradecer? Para permitir que Trump dite nossa política comercial, diplomática e judicial?

O que está em jogo: minerais, dados e o sistema financeiro

O tarifaço também se insere em uma disputa silenciosa por áreas estratégicas onde o Brasil vem se destacando — e incomodando. Um exemplo é o crescente interesse internacional nas terras raras, grupo de 17 minerais essenciais à fabricação de baterias, painéis solares, turbinas e componentes eletrônicos. O Brasil possui uma das maiores reservas do mundo, o que o torna peça-chave na transição energética global. Ao mesmo tempo, cresce a pressão sobre o país para ceder espaço a data centers norte-americanos, infraestrutura usada para armazenar dados digitais, mas que consome altos níveis de energia e água e levanta alertas sobre soberania digital — sobretudo após denúncias de que os EUA têm leis que permitem acesso a esses dados mesmo fora do território americano. Outro ponto sensível é o avanço do Pix, que tem incomodado profundamente as gigantes do setor financeiro, como as operadoras de cartões de crédito, majoritariamente ligadas a grupos internacionais. O sucesso do sistema de pagamentos instantâneos brasileiro ameaça a hegemonia de instituições que lucram com taxas, juros e intermediação. Ou seja, por trás do tarifaço, há também um incômodo com a autonomia tecnológica e financeira do Brasil.

Telefonar a Trump neste contexto seria não apenas inócuo, mas simbólica e perigosamente errado. Seria sinalizar ao mundo — e à extrema direita — que o Brasil está pronto para pedir desculpas por não ter virado um satélite de Washington. Que está disposto a perdoar Bolsonaro, reescrever a história e abrir mão do que temos de mais valioso: a soberania.

O que fazer diante da agressão?

O Brasil precisa responder com inteligência e altivez. A reação não deve ser emocional, nem subserviente. É hora de fortalecer laços com outros mercados, diversificar exportações e investir em industrialização. É hora de abrir novas frentes na Ásia, Europa e América Latina, reduzindo a dependência do mercado americano. E, acima de tudo, reafirmar que decisões judiciais contra golpistas são assuntos internos e inegociáveis.

Mais do que um embate comercial, o tarifaço escancarou o jogo geopolítico da extrema direita global. Um jogo que se joga com símbolos, humilhações e provocações. O Brasil não deve cair nessa armadilha.

Não é hora de telefonar. É hora de responder com estratégia, dignidade e soberania.