
Ele sobreviveu ao avanço das frentes de desmatamento, viu sua floresta ser sangrada pelo garimpo e enfrentou, com a força da palavra e da ancestralidade, presidentes e poderosos. Agora, aos 88 anos, o cacique Raoni Metuktire, líder do povo Kayapó, lança seu livro de memórias e revela: Jair Bolsonaro “quis nos exterminar”.
A denúncia é direta, contundente e ecoa como um grito de socorro em defesa dos povos indígenas. Mas Raoni também faz um alerta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a esperança ainda existe, mas precisa se concretizar em ações reais — e não em promessas frustradas, como ocorreu no passado com Belo Monte.
Bolsonaro e o projeto de destruição indígena
Em Memórias do Cacique, publicado recentemente, Raoni afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro promoveu ativamente o “extermínio dos povos indígenas”, ao incentivar a mineração ilegal, os ataques a comunidades e o desmatamento descontrolado. Ele lembra que Bolsonaro, durante sua gestão (2019–2022), enfraqueceu os órgãos de fiscalização ambiental e bloqueou demarcações de novas terras — políticas que resultaram em avanço violento sobre os territórios indígenas.
A denúncia foi feita em entrevista exclusiva publicada pelo jornal britânico The Guardian, em 7 de julho de 2025. “Ele realmente queria nos exterminar”, declarou Raoni ao jornalista Tom Phillips. O líder Kayapó também narra um sonho marcante com Bolsonaro: “Espere, você sairá da presidência. Eu farei você sair” — uma espécie de premonição simbólica de sua queda. O The Guardian pediu uma reposta de Bolsonaro, mas não a obteve.
Esperança cautelosa em Lula
Apesar das críticas duras a Bolsonaro, Raoni também demonstra desconfiança em relação ao presidente Lula, com quem já teve desentendimentos anteriores. Em especial, ele cita a decepção com a construção da hidrelétrica de Belo Monte, durante o segundo mandato de Lula, em 2010, que causou impacto devastador sobre comunidades do Xingu.
No entanto, Raoni afirma ter alertado Lula pessoalmente durante um encontro recente, em abril deste ano, pedindo que o governo não repita os erros do passado. “Se você mentir de novo, será um erro muito grande”, disse ele, segundo relato ao The Guardian.
Contra o petróleo na Amazônia
Outro ponto de forte divergência entre o cacique e o atual governo é a proposta de exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Raoni se posicionou contra o projeto, que tem sido defendido por parte do governo Lula com o argumento de desenvolvimento energético e econômico.
Em abril de 2025, Raoni participou de uma reunião com Lula e ministros no Xingu e alertou que perfurar petróleo naquela região poderá causar desastres ambientais e espirituais irreversíveis, como reportado pelo site Brazil Reports.
Sucessão e legado
Raoni, que se tornou uma figura internacionalmente reconhecida desde os anos 1980 — especialmente após sua campanha conjunta com o músico Sting —, já pensa na sucessão de sua liderança. Ele está preparando um novo líder indígena que possa continuar sua luta, agora com o respaldo de gerações mais jovens e conectadas às mídias digitais.
Segundo The Guardian, o livro foi escrito ao longo de quatro anos, com mais de 80 horas de entrevistas em sua língua nativa, o Mẽbêngôkre, e depois traduzido para o português.
Um símbolo de resistência global
O livro Memórias do Cacique é mais do que um relato biográfico: é uma denúncia histórica e uma convocação à resistência. Combinando elementos míticos, espirituais e políticos, Raoni oferece uma leitura sensível e urgente sobre os dilemas enfrentados pelos povos indígenas no Brasil contemporâneo.
Sua mensagem final é clara: a sobrevivência dos povos originários depende da aliança entre líderes indígenas, governos e a sociedade civil. E, para isso, é preciso respeitar a floresta, as culturas e os espíritos que nela habitam.