Niède Guidon, guardiã da pré-história brasileira, morre aos 92 anos

Niède Guidon deixa um legado imensurável para a arqueologia e preservação no Brasil.

A arqueóloga Niède Guidon, referência mundial em estudos sobre o povoamento das Américas, faleceu aos 92 anos. Sua dedicação à preservação do Parque Nacional Serra da Capivara transformou o sertão piauiense em um dos mais importantes sítios arqueológicos do mundo. Com coragem e persistência, desafiou teorias estabelecidas e enfrentou o abandono institucional para proteger um patrimônio único. Sua trajetória é marcada por descobertas científicas e por um profundo compromisso social com as comunidades locais. A morte de Guidon representa uma perda irreparável para a ciência e a cultura brasileiras.

Uma vida dedicada à ciência e à preservação

Nascida em Jaú, interior de São Paulo, em 12 de março de 1933, Niède Guidon formou-se em História Natural pela USP e doutorou-se em Pré-História pela Universidade Paris-Sorbonne. Na década de 1970, liderou a Missão Arqueológica Franco-Brasileira, que revelou ao mundo a riqueza arqueológica da Serra da Capivara, no Piauí. Em 1979, graças aos seus esforços, foi criado o Parque Nacional Serra da Capivara, posteriormente reconhecido como Patrimônio Mundial pela Unesco.

Guidon identificou mais de 800 sítios pré-históricos na região, muitos com pinturas rupestres datadas de até 30 mil anos. Essas descobertas desafiaram a teoria de Clóvis Primeiro, que sustentava que o Homo sapiens teria chegado às Américas há cerca de 12 mil anos pelo Estreito de Bering. Para Guidon, os vestígios encontrados indicam uma presença humana muito anterior, possivelmente vinda da África por via oceânica.

Reconhecimento e legado

Ao longo de sua carreira, Niède Guidon recebeu diversas honrarias, incluindo o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia em 2024, concedido pelo CNPq e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação . Também foi agraciada com a Ordem do Mérito Científico, a Légion d’Honneur da França e o Prêmio Príncipe Claus, da Holanda.

Em 2017, a Universidade Federal do Vale do São Francisco concedeu-lhe o título de Doutora Honoris Causa, reconhecendo sua contribuição para a ciência e o desenvolvimento regional.

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Além das descobertas científicas, Guidon preocupava-se com o desenvolvimento das comunidades locais. Incentivou a construção de escolas, promoveu o turismo sustentável e lutou contra a pobreza na região de São Raimundo Nonato. “Vim morar no sertão para não deixar essa riqueza se perder e poder ajudar a tirar essas pessoas da miséria”, afirmou em entrevista à BBC.

Despedida

Niède Guidon faleceu em 3 de junho de 2025, deixando um legado inestimável para a arqueologia e para a preservação do patrimônio cultural brasileiro. Sua vida foi marcada pela paixão pela ciência, pela coragem em desafiar paradigmas e pelo compromisso com a transformação social. Seu trabalho continuará a inspirar gerações de pesquisadores e defensores do patrimônio cultural.