Mudanças climáticas tornam o arroz mais tóxico, alerta estudo internacional

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Cientistas alertam para aumento de arsênio e metais pesados nos grãos, ameaçando a saúde de bilhões que dependem do arroz como base alimentar

Imagine colher um prato de arroz fresco, branco e soltinho, símbolo de fartura em tantas mesas pelo mundo. Agora imagine que, silenciosamente, esse mesmo grão está absorvendo doses perigosas de toxinas. É o que aponta um novo estudo internacional, divulgado nesta semana, que acende um alerta sobre os efeitos ocultos da crise climática na nossa alimentação.

Aquilo que nos alimenta pode estar nos envenenando

Pesquisadores de universidades dos Estados Unidos, China e Bangladesh se uniram para investigar os impactos das mudanças climáticas na composição química do arroz — alimento básico para mais da metade da população mundial. Eles descobriram que, com o aumento das temperaturas e a maior concentração de dióxido de carbono na atmosfera, o arroz cultivado em determinadas regiões está absorvendo mais arsênio e metais pesados como o cádmio.

Os dados assustam. Em experimentos realizados com plantações simuladas em ambientes com alta emissão de CO₂, os grãos apresentaram níveis de arsênio até 1,5 vezes maiores do que os encontrados em cultivos sob condições normais. A explicação está no solo e na água: com as inundações mais frequentes e intensas, comuns em áreas de arrozal, os compostos tóxicos se tornam mais solúveis — e facilmente absorvidos pela planta.

“O que estamos vendo é um efeito colateral inesperado da crise climática: a contaminação invisível do prato mais comum do mundo”, disse a pesquisadora Lin Mei, da Universidade Agrícola de Nanjing.

A terra esquenta, o solo responde

O fenômeno não é novo, mas se intensifica com o aquecimento global. O arroz cresce, tradicionalmente, em campos alagados — um ambiente propício para a liberação de arsênio do solo. Com a elevação da temperatura, esse processo se acelera, e o CO₂ em excesso parece interferir diretamente na fisiologia da planta, facilitando a absorção de elementos tóxicos.

Além disso, os solos mais secos ou sujeitos a secas repentinas também contribuem: eles racham, oxidam e liberam compostos que, ao serem novamente irrigados, entram no ciclo de contaminação do arroz.

Quem mais sofre?

Populações de países asiáticos, africanos e latino-americanos — onde o arroz é consumido em grandes quantidades diariamente — estão especialmente vulneráveis. E os riscos não se limitam ao longo prazo: estudos associam o consumo contínuo de arsênio com câncer, problemas neurológicos e atrasos no desenvolvimento infantil.

Uma agricultora de Bangladesh, Noor Begum, contou aos pesquisadores que percebeu mudanças na coloração e no sabor do arroz colhido nos últimos anos. “Mas ninguém nos disse que poderia ser perigoso. É o que temos para comer”, afirmou.

E agora? O que pode ser feito?

A boa notícia é que há soluções em curso. Cientistas estão desenvolvendo variedades de arroz mais resistentes à absorção de arsênio, além de testarem técnicas de irrigação alternadas, que reduzem a exposição do solo aos processos químicos que liberam os metais.

Especialistas também destacam a importância de investir em políticas de monitoramento da qualidade do solo e da água, especialmente em regiões de maior risco. Para o consumidor comum, a orientação é variar a dieta — e lavar o arroz antes do cozimento, o que pode ajudar a reduzir parte dos contaminantes.

Um alerta à mesa

A história do arroz contaminado é mais do que uma curiosidade científica. É um espelho da forma como o planeta, silenciosamente, está alterando o que comemos. O prato que há milênios sustenta civilizações pode estar se tornando uma armadilha invisível — e cabe a nós, como sociedade, encarar essa verdade de frente, com ciência, responsabilidade e sabor.