
Um relatório inédito divulgado pelo Instituto Esfera de Estudos e Inovação, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela como o crime organizado brasileiro tem explorado brechas tecnológicas e regulatórias para lavar dinheiro por meio de fintechs, plataformas de apostas online e criptoativos. O estudo acende um alerta: o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão responsável por monitorar transações suspeitas, está sobrecarregado e subdimensionado para enfrentar o desafio.
Segundo os dados, o volume de comunicações de operações suspeitas (COS) ao Coaf saltou 766,6% entre 2015 e 2024, enquanto os relatórios de inteligência cresceram 335,9% no mesmo período. Apesar disso, o órgão conta com apenas 93 servidores — número muito inferior a instituições similares de países como EUA (300 servidores) e França (230).
“O crime organizado no Brasil não atua mais só com fuzis e cocaína. Ele opera com carteiras digitais, algoritmos e moedas virtuais”, afirma Pierpaolo Bottini, presidente do Conselho Acadêmico do Instituto Esfera.
Novas Fronteiras do Crime Financeiro
A digitalização da economia abriu terreno fértil para práticas ilegais. O estudo aponta três vias principais exploradas pelas facções:
- Fintechs: Antes da regulação estabelecida em 2021, muitas operavam sem controle efetivo do Banco Central, tornando-se terreno fértil para esquemas de lavagem.
- Bets (apostas online): Usadas como canais paralelos para “legalizar” valores de origem ilícita, dificultam o rastreamento por autoridades.
- Criptoativos: Permitem transferências internacionais com anonimato e ocultação patrimonial, longe dos olhos da fiscalização.
Além de tráfico de drogas, que ainda representa quase metade dos ilícitos monitorados pelo Coaf em 2024 (48,5%), há indícios de envolvimento crescente das facções em atividades legalmente ambíguas, como o comércio de animais de raça, feiras agropecuárias e até serviços de advocacia.
Coaf: Estrutura Encolhida, Missão Ampliada
Embora tenha papel central no combate à lavagem de dinheiro, o Coaf sofre com fragilidade institucional. Sem carreira própria, depende de servidores cedidos, o que gera rotatividade e limita a especialização. A falta de autonomia tecnológica também impede o uso de ferramentas avançadas, como sistemas de machine learning capazes de identificar movimentações atípicas em grande volume de dados.
A CEO da Esfera Brasil, Camila Funaro Camargo Dantas, defende a necessidade de uma resposta rápida e estratégica:
“É uma decisão de Estado. Sem uma inteligência financeira forte, o país continuará refém do poder econômico das facções, que mina a segurança pública e a soberania nacional.”
Cinco Caminhos para Reforçar o Coaf
O estudo propõe cinco medidas centrais para reverter o atual quadro:
- Criação de carreira própria para garantir técnicos qualificados e permanência nos quadros.
- Acesso ampliado a bases de dados e obrigatoriedade de troca de informações com o Ministério Público.
- Investimento em tecnologia, com autonomia para adoção de sistemas como o GoAML, usado pela ONU.
- Supervisão de setores não financeiros, como advocacia, feiras e apostas.
- Integração entre instituições como Polícia Federal, Receita e Ministério Público, superando barreiras judiciais e burocráticas.
Contexto Global e Brasileiro
A urgência do tema não se restringe ao Brasil. Países da União Europeia e os Estados Unidos vêm ampliando os poderes de suas unidades de inteligência financeira para lidar com crimes que migraram para o ambiente digital. O Brasil, no entanto, continua sem um marco regulatório robusto para ativos digitais e com deficiências em rastrear transações suspeitas em plataformas de apostas esportivas — tema que recentemente também tem sido debatido no Congresso.
Especialistas alertam que a inação pode consolidar o Brasil como um hub de lavagem de dinheiro internacional, com consequências graves para a economia, a reputação do país e a segurança das cidades.