É difícil imaginar o mundo sem o verde que respira. Mas, diante da ameaça constante do desmatamento, o planeta parece prender o ar.
Agora, o Brasil tenta mudar essa rota: transformar a floresta viva em riqueza concreta — e não em prejuízo ou obstáculo ao desenvolvimento.
A poucos dias da abertura oficial da COP30, em Belém, o governo brasileiro anunciou o lançamento oficial do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, uma iniciativa internacional que promete recompensar financeiramente países que conseguirem reduzir o desmatamento e preservar suas florestas. O mecanismo tem potencial para movimentar até US$ 4 bilhões por ano e pode alcançar 74 nações com áreas florestais tropicais e subtropicais. Se bem-sucedido, marcará uma mudança importante na lógica econômica que historicamente impulsiona a devastação ambiental: fazer com que a floresta valha mais em pé do que derrubada. Além disso, 20% dos recursos serão destinados diretamente às comunidades locais, incluindo povos indígenas — guardiões ancestrais da biodiversidade.
Um palco de negociações políticas globais
O lançamento do fundo ocorreu em meio a uma intensa agenda diplomática. Durante a Cúpula em Belém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com líderes da Alemanha, Portugal e Moçambique, além de representantes da União Africana e da Comissão Europeia. O encontro reforçou a tentativa do Brasil de posicionar-se como articulador climático no Sul Global, defendendo que países em desenvolvimento devem ser protagonistas da transição ecológica — não apenas receptores de condições impostas. Segundo assessores diplomáticos, os diálogos se concentraram em financiamento climático, transferência de tecnologia e transição energética, com destaque para projetos de hidrogênio verde, bioeconomia e conservação florestal com geração de renda local.
Proteção como Valor Econômico
O Fundo será financiado por governos e investidores privados internacionais. Países que preservarem suas florestas receberão US$ 4 por hectare conservado, com monitoramento via satélite para garantir rastreabilidade, transparência e verificação independente.
Durante o lançamento, o secretário-geral da ONU, António Guterres, destacou o caráter histórico da iniciativa:
“As florestas tropicais são pilares da estabilidade climática. Protegê-las não é apenas uma questão ambiental, mas de sobrevivência comum da humanidade”, afirmou.
Segundo as Nações Unidas, as florestas tropicais mantêm o equilíbrio da temperatura global, abrigam mais de metade da biodiversidade terrestre e desempenham papel central no ciclo da água — impactando regimes de chuva que vão do interior da Amazônia ao agronegócio do Centro-Oeste e às hidrelétricas do Sudeste.
Comunidades no Centro da Estratégia
A diretora executiva da COP30, Ana Toni, reforçou que o fundo busca corrigir um erro histórico: os povos da floresta raramente são beneficiados pela riqueza natural que preservam.
Assim, o modelo define que uma parte obrigatória dos recursos será repassada diretamente a comunidades ribeirinhas, quilombolas e povos indígenas, fortalecendo autonomia e infraestrutura local.
Para lideranças amazônicas consultadas durante a pré-COP, isso representa uma conquista política:
“Não existe proteção da Amazônia sem quem vive nela”, lembram organizações indígenas.
Uma Coalizão em Expansão
A proposta brasileira já atraiu a adesão de países-chave na conservação global, como Colômbia, Gana, Indonésia, Malásia e República Democrática do Congo, regiões onde a perda florestal vem crescendo rapidamente, segundo monitoramentos internacionais.
Do lado dos potenciais financiadores, Alemanha, Noruega, França, Reino Unido e Emirados Árabes Unidos discutem aportes diretos e acordos híbridos de investimento.
O Brasil calcula que até US$ 25 bilhões sejam mobilizados inicialmente, destravando mais de US$ 100 bilhões em linhas privadas ligadas a créditos de carbono e cadeias produtivas sustentáveis.
Entre o Avanço e o Desafio
Apesar da dimensão ambiciosa, o cenário climático exige ainda mais.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o mundo deveria investir três vezes mais em conservação florestal do que investe hoje. Caso contrário, metas de neutralidade climática até 2050 se tornam inviáveis.
Especialistas entrevistados por BBC e The Guardian alertam: o sucesso do mecanismo dependerá de:
- Monitoramento confiável
- Governança sem brechas para corrupção
- Participação ativa das comunidades florestais
E, sobretudo, vontade política contínua, mesmo em contextos de troca de governo.
Por que isso importa agora
A COP30, que segue até o dia 21 de novembro em Belém, ocorre em um momento crítico:
2025 se encaminha para ser um dos anos mais quentes já registrados, e eventos extremos atingem todos os continentes, do fogo na Amazônia às enchentes na Ásia e tempestades devastadoras no Atlântico.
Ao trazer a questão florestal ao centro das negociações climáticas, o Brasil tenta reposicionar o debate global: não há transição energética viável sem equilíbrio ecológico.
E não há equilíbrio possível sem florestas vivas.
