
Com 1,6 milhão de partos anuais, a gravidez precoce na região perpetua ciclos de pobreza e desigualdade, mas investimentos em educação e saúde podem mudar esse cenário.
A cada 20 segundos, uma adolescente na América Latina e no Caribe se torna mãe. São 1,6 milhão de partos por ano, com um custo econômico de 15,3 bilhões anuais em 15 países. Além dos impactos financeiros, a gravidez precoce interrompe sonhos, limita oportunidades e perpetua ciclos de pobreza. Um relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) revela que investir US 1,8 bilhão em educação sexual e anticoncepcionais poderia reduzir a taxa de fecundidade em 36% até 2026.
A gravidez na adolescência não é apenas uma questão de saúde pública, mas um reflexo das desigualdades sociais e de gênero que afetam milhões de jovens na região. Meninas pobres, negras e indígenas são as mais vulneráveis, enfrentando barreiras como a falta de acesso à educação, violência sexual e uniões precoces. Enquanto isso, os sonhos de estudar, trabalhar e construir um futuro melhor são substituídos por responsabilidades precoces e, muitas vezes, solitárias.
O peso da maternidade precoce
A diretora regional do UNFPA, Susana Sottoli, não hesita em descrever a gravidez na adolescência como uma crise silenciosa. “As vidas dessas meninas são interrompidas. Elas deveriam estar nas salas de aula, conquistando o mundo, mas, em vez disso, estão presas em ciclos de pobreza e desigualdade”, afirma. O relatório do UNFPA, que analisou dados de 15 países entre 2019 e 2024, mostra que 88,2% do custo financeiro da gravidez precoce é arcado pelas próprias adolescentes, enquanto os governos assumem apenas US$ 1,8 bilhão por ano.
Desigualdades que perpetuam o ciclo
A gravidez na adolescência é tanto causa quanto consequência da desigualdade. Meninas pobres, negras e indígenas têm taxas significativamente mais altas de gravidez indesejada. No Brasil, por exemplo, 28,2% dos nascidos vivos de mães indígenas são de adolescentes, enquanto entre as mães brancas, esse número cai para 9,2%. A pandemia de Covid-19 agravou o cenário, reduzindo o ritmo de queda nas taxas de fecundidade.
Impactos além da saúde
Além dos riscos à saúde, como partos prematuros e depressão pós-parto, a gravidez precoce tem impactos profundos na educação e na inserção no mercado de trabalho. Meninas que se tornam mães antes dos 20 anos têm três vezes menos chances de concluir o ensino superior e, consequentemente, enfrentam salários até três vezes menores. “É um ciclo que se repete, gerando mais pobreza e exclusão”, explica Sottoli.
Estratégias que funcionam
Alguns países da região já mostram resultados positivos na redução da gravidez na adolescência. Estratégias como o acesso à educação sexual, métodos contraceptivos modernos e a proibição de casamentos infantis têm sido eficazes. O Movimento de Gravidezes Zero de Adolescentes, que reúne 35 entidades regionais, busca ampliar essas iniciativas, promovendo políticas públicas baseadas em evidências.
O caso brasileiro
No Brasil, a gravidez na adolescência continua sendo um desafio urgente. Dados do DataSUS revelam que, em 2023, foram registrados 289.093 partos de meninas entre 15 e 19 anos, representando 11,39% do total de nascimentos no país. Além disso, 13.932 partos foram de meninas de 10 a 14 anos, o equivalente a 0,55% do total. É importante destacar que a relação sexual com adolescentes menores de 14 anos é crime, enquadrado como estupro de vulnerável, assim como o casamento infantil ou qualquer prática sexual envolvendo essa faixa etária.
Para combater esse problema, o Ministério da Saúde tem implementado iniciativas como o Programa Saúde na Escola, que busca promover a educação sexual e facilitar o acesso a métodos contraceptivos. O programa visa não apenas informar, mas também empoderar adolescentes, garantindo que eles tenham ferramentas para tomar decisões conscientes sobre sua saúde sexual e reprodutiva. Essas ações são fundamentais para reduzir os índices de gravidez precoce e, consequentemente, romper ciclos de desigualdade e vulnerabilidade que afetam milhares de jovens no país.
Histórias que emocionam
Raiane Azevedo, hoje jornalista, engravidou aos 14 anos. “Se eu tivesse tido mais orientação, teria lidado com a sexualidade de forma mais saudável”, reflete. Ela destaca a importância de incluir os meninos nas discussões sobre saúde sexual e reprodutiva. “Muitas vezes, a falta de informação resulta em uma maternidade solo para a garota, como foi o meu caso.”
A gravidez na adolescência é um problema complexo, mas não insolúvel. Com investimentos em educação, saúde e políticas públicas, é possível transformar a realidade de milhões de jovens na América Latina e no Caribe. Como afirma Susana Sottoli, “cada dólar investido na prevenção da gravidez precoce pode gerar um retorno de até US$ 40”. O futuro dessas meninas depende de ações urgentes e coordenadas.
Com informações da ONU News, Agência Brasil e Ministério da Saúde