A sexta-feira que ficou negra

Foto de Max Fischer: https://www.pexels.com

Na sexta (28) o consumidor vira alvo de todo o comércio. É a black friday!

Toda última semana de novembro, o Brasil entra em modo caça ao tesouro. Os shoppings estendem o horário, as vitrines ganham números gigantes — 50%, 70%, 80% — e as lojas online piscam notificações como vaga-lumes frenéticos: “Não perca! Só até hoje!”. É a Black Friday, essa criatura sem dono que nasceu nos Estados Unidos, pegou um voo direto para cá e, como bom hóspede brasileiro, logo criou suas próprias manias.

Como essa história começou

A versão mais difundida — e mais elegante — diz que o termo surgiu na Filadélfia, nos anos 1960, quando a cidade era tomada por multidões após o Dia de Ação de Graças. Policiais exaustos, tentando controlar o trânsito caótico e as lojas lotadas, passaram a chamar aquele dia de “sexta-feira negra”. Nada tinha a ver com consumo consciente ou alegria natalina: era pura confusão urbana.

Com o tempo, o comércio percebeu que aquele tumulto representava uma oportunidade. As pessoas já estavam nas ruas, o Natal batendo à porta, e descontos agressivos pareciam o empurrão perfeito. O nome pegou, ganhou glamour de marketing e, quando a internet entrou em cena, virou um evento global — uma espécie de Copa do Mundo do consumo.

Quando o Brasil adotou a febre

Por aqui, a Black Friday desembarcou de verdade por volta de 2010. No começo, era meio tímida — e meio malandra. Surgiram memes, piadas e o infame bordão “tudo pela metade do dobro”. Os brasileiros desconfiavam, e com razão: houve preços maquiados, ofertas fantasmas e carrinhos abandonados por frustração.

Mas a data amadureceu. Hoje, gigantes do varejo disputam centavos com algoritmos, pequenas lojas aproveitam a chance de aparecer e consumidores viram especialistas em rastrear preços como detetives digitais. Ainda há tropeços, claro, mas o evento se profissionalizou — e movimenta bilhões todo ano.

As histórias curiosas que também marcaram a data

  • O televisor desaparecido: nos EUA, há casos famosos de clientes madrugando na porta de lojas para garantir a “oferta do século” — apenas para descobrir que havia uma unidade do produto. A prática ficou tão famosa que virou motivo de investigação e rendeu novas regras de estoque.
  • A corrida dos carrinhos: registros de 2008 mostram consumidores literalmente correndo por corredores de hipermercados atrás de consoles de videogame. Não correram mais que alguns funcionários, que empurravam carrinhos cheios para tentar repor as prateleiras.
  • A virada digital: em 2014, o gigantesco tráfego de acessos derrubou sites, gerou filas virtuais e inaugurou as “entradas escalonadas” — aquele sistema que avisa: “Você é o número 8.427 na fila. Não saia daí.” Uma Black Friday com cara de show da Beyoncé.

E o consumidor, como fica no meio disso tudo?

Os descontos podem ser reais, e muitos são — mas é preciso jogo de cintura. Na internet, onde a tentação é maior e os riscos também, alguns cuidados salvam a carteira e o humor:

1. Pesquise o histórico de preços.
Sites como comparadores e gráficos de variação mostram se o desconto é verdadeiro ou uma maquiagem digital.

2. Desconfie de promoções extremas.
50% já é lindo. 90% em eletrônico novo costuma ser golpe.

3. Confira o CNPJ, o endereço e a reputação da loja.
Comércio sem identidade costuma desaparecer tão rápido quanto aparece.

4. Fuja dos links recebidos por mensagem ou grupos.
Phishing — golpes que imitam lojas famosas — cresce muito nessa época.

5. Leia a política de troca e devolução.
A euforia passará, mas o produto continuará na sua casa.

O lado humano da Black Friday

A verdade é que essa data global virou um espelho de nossas vontades: queremos pagar menos, queremos presentear, queremos sentir que fizemos um bom negócio. No fundo, a Black Friday é uma crônica anual sobre expectativa e realidade — e sobre como, diante de uma etiqueta com desconto, nos tornamos todos um pouco americanos, mas com o drama brasileiro de sempre.

No dia 28 de novembro, milhões de pessoas vão entrar no jogo. Algumas saem vitoriosas, outras frustradas, mas todas participam desse ritual importado que já faz parte do calendário nacional. Afinal, poucas tradições atravessam fronteiras com tanta facilidade quanto o desejo de economizar.

E, venha de onde vier, promoção boa mesmo é a que cabe no bolso — e não vira dor de cabeça na segunda-feira.