
A interrupção abrupta do show da banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, durante a Semana do Rock, promovida pela Prefeitura de São Paulo, reascendeu um debate sensível: manifestações em apoio à Palestina estão sendo tratadas com mais repressão do que outras causas políticas?
Na sexta-feira (11), a apresentação no centro da capital foi encerrada antes do previsto após os músicos projetarem frases como “Palestina livre” e “boicote Israel”. A Secretaria Municipal de Cultura desligou o telão e reduziu o som, alegando que o contrato do evento proibia “ofensas contra terceiros”.
Liberdade de expressão sob condição?
A reação imediata da prefeitura contrastou com o tratamento dado a discursos públicos pró-Israel, que não enfrentam censura institucional. Em atos anteriores na cidade, bandeiras israelenses foram erguidas e declarações de apoio às ações do governo de Benjamin Netanyahu foram feitas em espaços públicos — inclusive por políticos — sem qualquer impedimento técnico ou contratual.
A diferença gerou críticas entre artistas e ativistas. “A mesma gestão que corta o som por uma frase em apoio à Palestina não aplica o mesmo rigor a manifestações de apoio a Israel. Isso é censura seletiva”, disse uma advogada da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.
Um padrão global
O caso de São Paulo ecoa uma tendência internacional. Desde a intensificação da guerra em Gaza, em outubro de 2023, protestos e declarações em favor da causa palestina vêm sendo sistematicamente limitados — especialmente na Europa e nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, manifestações em solidariedade a Israel seguem ocorrendo com amplo respaldo institucional.
Organizações como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch alertam que há um processo crescente de criminalização da solidariedade à Palestina, mesmo quando essa se manifesta de maneira pacífica e legal.
Duplo padrão institucional
A desigualdade no tratamento revela um duplo padrão institucional:
- Apoiar Israel é visto como solidariedade a um aliado estratégico.
- Apoiar a Palestina é, muitas vezes, enquadrado como ameaça à ordem ou apoio ao terrorismo.
Essa lógica, segundo juristas, viola princípios constitucionais de liberdade de expressão e enfraquece o direito à crítica política — sobretudo quando associada à arte e à defesa dos direitos humanos.
Como diferentes cidades tratam manifestações sobre o conflito
Cidade/País | Manifestações pró-Palestina | Manifestações pró-Israel |
---|---|---|
São Paulo (Brasil) | Interrupção de show por frases como “Palestina livre” | Ações pró-Israel não enfrentam restrições públicas |
Paris (França) | Proibição de atos de rua, alegando risco de distúrbios | Marchas pró-Israel autorizadas e com presença policial |
Berlim (Alemanha) | Proibição de protestos e detenções de manifestantes | Eventos pró-Israel realizados com apoio governamental |
Londres (Reino Unido) | Investigações sobre frases em protestos; suspensão de alunos e professores | Autoridades participam de eventos com bandeiras de Israel |
Nova York (EUA) | Repressão a protestos universitários pró-Palestina | Apoio institucional a vigílias pró-Israel |
Buenos Aires (Argentina) | Atos pró-Palestina vigiados e pressionados politicamente | Ações pró-Israel com presença de autoridades locais |
Uma escolha política
A decisão da Prefeitura de São Paulo revela mais que uma interpretação contratual: ela evidencia quais narrativas o poder público considera aceitáveis — e quais prefere silenciar. Em vez de neutralidade, a medida parece indicar um posicionamento político indireto, reforçando o que muitos veem como censura seletiva no debate sobre o conflito israelense-palestino.
Liberdade de expressão é plural e deve ser garantida a todas as vozes — inclusive às que incomodam o poder ou desafiam narrativas hegemônicas. Silenciar manifestações pró-Palestina sob o pretexto de evitar “ofensas” enquanto se permite apoio irrestrito a Israel configura uma grave ameaça à democracia e aos direitos humanos.
📜 Trechos da Constituição Brasileira
Art. 5º, IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”
Art. 5º, VI: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.”
Art. 5º, IX: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”
🌐 Declarações internacionais
- Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art. 19): “Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, […] manifestar-se publicamente.”
- Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH): Reforça que a liberdade de expressão é fundamental em sociedades democráticas e inclui a proteção às manifestações políticas, mesmo as controversas.