
De África à América Latina, fenômeno climático atinge colheitas, abastecimento de água e segurança alimentar — e pode se intensificar, dizem especialistas.
As secas severas que castigam diferentes regiões do planeta estão empurrando dezenas de milhões de pessoas para uma situação de insegurança alimentar grave, revela um novo relatório divulgado nesta semana pela The Water Conflicts Commission e analisado pelo The Guardian. A situação é especialmente crítica em países da África subsaariana, Sudeste Asiático e América Latina, onde as colheitas falharam de forma consecutiva, os estoques de alimentos estão em queda e o acesso à água potável se torna cada vez mais precário.
“O planeta está seco, e as políticas globais ainda não estão preparadas para isso”, afirmou a coordenadora do estudo, Dra. Lydia Nasser, especialista em recursos hídricos da Universidade de Oxford. Segundo ela, a combinação entre o aumento das temperaturas, mudanças nos padrões de chuva e má gestão hídrica está levando comunidades inteiras ao colapso.
África Oriental e Sahel em estado de emergência
De acordo com o relatório, cerca de 24 milhões de pessoas na África Oriental estão atualmente em situação de emergência alimentar, especialmente no Quênia, Somália, Etiópia e Sudão do Sul. A região enfrenta sua pior seca em quatro décadas, agravada pelo fenômeno climático El Niño e pelos impactos da crise climática global.
A ONU já declarou emergência humanitária em partes do Sudão e do Chifre da África, com alertas severos sobre a iminência de fome em áreas isoladas e em campos de refugiados. “Se não houver uma resposta imediata, poderemos assistir a níveis de mortalidade semelhantes aos da grande fome dos anos 1980”, alertou Cindy McCain, diretora do Programa Mundial de Alimentos (PMA), em entrevista à Reuters.
América Latina: Brasil, México e Bolívia no radar climático
A América Latina também aparece entre os focos de preocupação. O sul da Amazônia brasileira, partes do México e o altiplano boliviano estão enfrentando secas históricas. No Pantanal e Cerrado, rios estão secando a taxas sem precedentes, afetando tanto a biodiversidade quanto a produção agrícola. No México, o Lago Cuitzeo está praticamente seco, afetando milhares de famílias que dependiam da pesca e da agricultura irrigada.
De acordo com dados do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), a região poderá perder até 30% de sua capacidade produtiva agrícola até 2050 se as temperaturas continuarem subindo ao ritmo atual.
Ásia: colapso hídrico e crises sociais
Na Ásia, o impacto também é devastador. Na Índia e no Paquistão, milhões de agricultores estão abandonando suas terras devido à escassez de água subterrânea, agravada pelo calor extremo que ultrapassou os 50 °C em várias regiões. Já no Sudeste Asiático, plantações de arroz — base alimentar de bilhões — estão sendo perdidas em larga escala.
“Estamos vendo padrões semelhantes aos que precederam grandes colapsos civilizatórios no passado”, afirmou o climatologista Rajat Kaur à CNN Climate.
Fatores estruturais e agravantes
A crise é alimentada não apenas por fatores naturais, mas também pela ação humana. O desmatamento, o uso intensivo de água para monoculturas, a expansão urbana desordenada e a falta de investimento em infraestrutura hídrica agravam os efeitos climáticos.
Relatórios da WWF e do Observatório do Clima apontam que muitos países em desenvolvimento carecem de políticas públicas eficazes para gerenciar a água de forma sustentável, enquanto os países ricos ainda financiam projetos que contribuem para a degradação de ecossistemas hídricos.
O que está sendo feito?
A resposta global, até agora, tem sido considerada lenta e insuficiente por analistas. A ONU, por meio da FAO e do PMA, está tentando ampliar a distribuição emergencial de alimentos e recursos hídricos, enquanto o Banco Mundial anunciou um novo pacote de US$ 2 bilhões em investimentos para mitigar os efeitos da seca em regiões vulneráveis.
No entanto, como alertou a diretora do Greenpeace International, Jennifer Morgan, à France 24: “Estamos correndo atrás de incêndios. Precisamos prevenir as causas estruturais da crise, e não apenas reagir às tragédias.”
Próximos passos e soluções possíveis
Especialistas defendem a urgência de um pacto climático global centrado na água, com foco em segurança hídrica, agricultura sustentável e justiça climática. Tecnologias de irrigação eficiente, dessalinização, reflorestamento e restauração de aquíferos são apontadas como ferramentas fundamentais.
Além disso, o relatório recomenda que países do G20 priorizem a diplomacia hídrica em fóruns multilaterais e aumentem os investimentos em adaptação climática, sobretudo nas regiões mais afetadas.
“A crise da água é a nova fronteira da mudança climática. Se não agirmos agora, estaremos plantando a fome do futuro”, conclui o documento.