Papa Leão XIV condena abusos na Igreja e defende liberdade de imprensa em mensagem enviada ao Peru

Declaração foi lida durante peça teatral que homenageia jornalista perseguida por investigar escândalos na Igreja Católica.

A Igreja Católica “não deve tolerar nenhuma forma de abuso”, afirmou o Papa Leão XIV em sua primeira manifestação pública sobre os escândalos de abuso clerical que há décadas abalam a instituição. A declaração foi lida na sexta-feira (20) durante a estreia da peça Proyecto Ugaz, em Lima, no Peru, e marca uma tomada de posição clara do novo pontífice diante de uma das maiores crises morais da Igreja.

“É urgente enraizar em toda a Igreja uma cultura de prevenção que não tolere nenhuma forma de abuso: de poder, de autoridade, de consciência, espiritual ou sexual”, disse o Papa, que assumiu o posto em maio, após a morte de Francisco.

A mensagem também destacou a importância de uma imprensa livre, exaltando o papel de jornalistas como Paola Ugaz, homenageada na montagem teatral por sua corajosa investigação sobre abusos dentro do grupo católico Sodalitium Christianae Vitae (Sodalício). “Onde um jornalista é silenciado, a alma democrática de uma nação se enfraquece”, afirmou Leão XIV.

As palavras do Papa contrastam com posturas mais reticentes adotadas por outros membros do alto clero, especialmente nos Estados Unidos — país natal de Leão XIV, nascido Robert Prevost — onde parte da hierarquia tem sido crítica à cobertura midiática dos casos de abuso e encobrimento por parte de padres e bispos.

O posicionamento do novo pontífice surge em meio a críticas de grupos de sobreviventes, que expressaram preocupação com sua eleição em 8 de maio. As dúvidas têm origem em episódios do passado: em 2000, quando liderava a província centro-oeste da ordem agostiniana nos EUA, Prevost estava à frente da administração que alocou o padre James Ray — acusado de abuso infantil — em um convento próximo a uma escola, nove anos após ter sido proibido de atuar com crianças.

Mais tarde, já como bispo de Chiclayo, no Peru, Prevost recebeu denúncias de três mulheres que disseram ter sido abusadas por padres locais durante a infância. As vítimas alegam que não houve apuração adequada. O Vaticano, por sua vez, afirmou que Prevost não foi responsável direto pela designação de Ray e que, nos casos peruanos, seguiu os trâmites canônicos, embora o Dicastério para a Doutrina da Fé tenha considerado as provas insuficientes para prosseguir com punições.

Apesar disso, Leão XIV é reconhecido por ter articulado, ainda como bispo, um encontro entre sobreviventes do Sodalício e o Papa Francisco, o que levou à abertura de uma investigação formal. Em janeiro, três meses antes de sua morte, Francisco decretou a dissolução da organização — uma medida considerada histórica.

A peça Proyecto Ugaz, que inspirou a declaração do Papa, dramatiza as ameaças e processos judiciais enfrentados pela jornalista Paola Ugaz, que foi alvo de uma campanha de intimidação após revelar os abusos e o esquema de poder dentro do Sodalício.

Na carta enviada à ocasião, o Papa elogiou o trabalho da jornalista e de seus colegas, afirmando que “a luta por justiça é também a luta da Igreja”. Ele reiterou que é fundamental renovar o compromisso da instituição com a proteção de menores e adultos vulneráveis e incentivou os profissionais da imprensa a seguirem firmes: “Não tenham medo. Por meio do seu trabalho, vocês podem ser construtores de paz, unidade e diálogo social. Sejam semeadores de luz nas sombras”.