Como Donald Trump transformou a cobertura jornalística mundial em um espetáculo ininterrupto.
Há exatos 278 dias, desde 20 de janeiro de 2025, Donald Trump retornou à Casa Branca. E desde então, o mundo não consegue tirar os olhos dele. Assim como Truman Burbank, o protagonista do clássico filme “O Show de Truman” (1998), que vivia sem saber que cada momento de sua vida era transmitido para milhões de espectadores, Trump parece existir em um reality show permanente — com uma diferença crucial: ele sabe disso e, mais do que isso, ele dirige o espetáculo.
Desde que Donald J. Trump reassumiu a presidência dos Estados Unidos em 20 de janeiro de 2025, o noticiário global tem se assemelhado a um único e interminável programa de televisão. A analogia com o clássico filme de 1998, “O Show de Truman” (The Truman Show), não é apenas pertinente, mas essencial para compreender a dinâmica simbiótica que se estabeleceu entre o 47º presidente americano e a grande mídia mundial. Assim como o protagonista Truman Burbank, cuja vida era secretamente transmitida 24 horas por dia para o mundo, Trump domina o palco global, transformando a política em um espetáculo de audiência compulsória.
A onipresença de Trump não é um fenômeno acidental, mas uma saturação quantificável que desafia os padrões históricos da cobertura presidencial.
278 Dias de Manchetes Ininterruptas: Os Números da Saturação
No período que se estende de sua posse em 20 de janeiro de 2025 até a data de publicação deste artigo, 26 de outubro de 2025, o presidente Trump completou 278 dias no cargo. Este período tem sido marcado por uma intensidade midiática sem precedentes, onde Trump não apenas é notícia, mas é a própria estrutura do noticiário.
Análises da cobertura de Trump demonstram que sua presença na mídia é drasticamente superior à de seus antecessores. Segundo dados do Shorenstein Center on Media, Politics and Public Policy da Harvard Kennedy School, Trump dominou 41% de todas as notícias nos principais veículos, uma quantidade três vezes maior do que a recebida por presidentes anteriores.
A natureza da cobertura também se destaca. Uma análise do Media Research Center sobre os primeiros 100 dias de seu segundo mandato revelou que a esmagadora maioria das menções foi negativa:
| Tipo de Declaração | Quantidade | Percentual |
| Declarações Negativas | 1.692 | 92% |
| Declarações Positivas/Neutras | 149 | 8% |
| Total de Declarações Analisadas | 1.841 | 100% |
Em contraste, a cobertura do presidente Joe Biden durante período equivalente foi 59% positiva. A saturação de Trump é tão intensa que, mesmo em veículos como o The New York Times, ele era mencionado a cada 250 palavras em reportagens, abrangendo até mesmo seções de esportes e culinária.
A Onipresença de Trump na Mídia
Estudos indicam que, durante os primeiros 100 dias de seu segundo mandato, Trump foi o tema de 41% de todas as notícias nos principais meios de comunicação dos EUA, três vezes mais do que qualquer presidente anterior. Além disso, 92% da cobertura foi negativa, segundo análise da Media Research Center.
O New York Times, por exemplo, mencionava Trump a cada 250 palavras em suas reportagens, mesmo em seções como esportes e culinária. Na televisão, ele interagiu com a imprensa 129 vezes nos primeiros 100 dias de seu segundo mandato, mais do que qualquer presidente anterior.
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O efeito Truman: mídia refém do espetáculo
A analogia com Truman Burbank, que vivia sem saber que cada momento de sua vida era transmitido, é poderosa. No entanto, a diferença crucial é que Trump não é uma vítima involuntária. Ele é, simultaneamente, protagonista, diretor e produtor executivo de sua própria narrativa midiática global.
A mídia global, mesmo aquela abertamente crítica a Trump, tornou-se, paradoxalmente, a principal agente de sua onipresença. A imprevisibilidade e o conflito gerados por suas ações e declarações são o cerne da atração jornalística, garantindo audiência e cliques. Essa simbiose cria um paradoxo econômico: a mídia, ao tentar “cobrir” Trump, acaba por “promover” o espetáculo, tornando-se refém da fonte de sua própria relevância e sobrevivência financeira.
A cobertura global: fascínio e horror na imprensa internacional
A onipresença de Trump transcende as fronteiras americanas, dominando as manchetes dos principais jornais internacionais:
| País | Veículo (Exemplo) | Reação/Manchete (Exemplo) |
| Reino Unido | The Daily Mirror | Estampou “Deranged” (Perturbado) em manchete sobre discurso na ONU. |
| The Times | Destacou a promessa de “era dourada” após a eleição. | |
| Alemanha | Bild | Anunciou “DA ISSER WIEDER!” (Lá está ele de novo!). |
| Die Zeit | Um editorial foi resumido em uma única palavra: “Fuck”. | |
| França | Le Figaro | Anunciou “Le retour fracassant” (O retorno estrondoso) na posse. |
| Libération | Classificou seu discurso na ONU como “Trump está irritando o mundo”. | |
| Austrália | The Age | Publicou “Here’s Donny!” em referência ao filme O Iluminado, destacando seus problemas legais. |
| Espanha | El País | Afirmou que Trump pretende “explodir as regras do jogo internacional”. |
A guerra contra a mídia: controlando a narrativa
O segundo mandato tem sido marcado por uma ofensiva sem precedentes contra veículos de imprensa que Trump considera hostis, numa clara tentativa de controlar a narrativa. As ações incluem:
1.Restrições Diretas: Em fevereiro de 2025, repórteres da Associated Press foram banidos de eventos na Casa Branca. Escritórios no Pentágono foram negados a veículos como CNN e The New York Times, sendo substituídos por veículos conservadores como Newsmax e Breitbart News. A Casa Branca também assumiu o controle sobre qual mídia pode cobrir eventos presidenciais, retirando esse poder da White House Correspondents’ Association.
2.Pressão Regulatória e Judicial: O presidente da FCC, Brendan Carr, nomeado por Trump, abriu investigações contra ABC, CBS, NBC, NPR e PBS. Em maio de 2025, Carr chegou a afirmar que consideraria revogar a licença de transmissão da CBS. Em julho, Trump processou o The Wall Street Journal em US$ 10 bilhões.
3.Corte de Financiamento Público: A Ordem Executiva 14290 determinou o fim do financiamento federal para NPR e PBS. O Congresso aprovou o Rescissions Act, eliminando o financiamento para a Corporation for Public Broadcasting, ameaçando o fechamento de estações.
Curiosamente, grandes empresas de tecnologia e mídia pagaram acordos milionários para resolver litígios com Trump, como o Twitter (aproximadamente US$ 10 milhões) e o YouTube (US$ 24,5 milhões), além da aproximação da Meta e seu CEO, Mark Zuckerberg, com a nova administração.
O paradoxo da atenção e a fadiga noticiosa
Apesar da onipresença de Trump, uma pesquisa do Pew Research Center (realizada entre 24 de fevereiro e 2 de março de 2025) revelou um paradoxo fascinante: a atenção do público está fragmentada.
Apenas 36% dos americanos disseram ter ouvido “muito” sobre o relacionamento entre a administração Trump e a mídia em 2025, uma queda de 50% em relação aos 72% registrados em 2017.
Ainda assim, 71% dos americanos afirmam seguir notícias sobre a administração Trump “muito” ou “razoavelmente de perto”. Os motivos são reveladores: 66% o fazem por “preocupação com o que a administração está fazendo”, enquanto apenas 25% seguem porque acham “divertido ou interessante”.
Os motivos para não acompanhar as notícias também variam: a fadiga noticiosa lidera entre democratas, e o desinteresse por política em geral é mais comum entre republicanos (55%).
O filme que não termina
Em “O Show de Truman”, o protagonista eventualmente descobre a farsa e decide sair pela porta de saída. Mas no “Show de Trump”, não há porta de saída — nem para ele, nem para o público global.
A cada dia, novos episódios são produzidos: pronunciamentos, ordens executivas, processos judiciais, confrontos com a imprensa. E a audiência mundial, mesmo exausta, não consegue desligar.
Se Truman Burbank buscava autenticidade fora das câmeras, Trump parece ter encontrado sua essência através delas. Em 278 dias de governo, ele não apenas dominou a cobertura noticiosa — ele a transformou em um elemento central de sua estratégia política. A questão que resta não é se Trump continuará dominando as manchetes globais. É se a mídia mundial e seu público conseguirão, algum dia, mudar de canal.
Ao contrário do filme de Peter Weir, este show não tem créditos finais programados. E o mundo inteiro tem um lugar na primeira fila — querendo ou não.
