
Entre 1994 e 2024, a Ilha da Trindade, pertencente ao Espírito Santo, viu sua cobertura florestal crescer 1.468,62% — o que corresponde a 65,06 hectares de vegetação nativa recuperada. O ganho em área de pastagens também foi expressivo: 319,45%, ou 325,14 hectares a mais.
Esses resultados acompanham a retirada total das cabras, espécie invasora introduzida no século XVIII. Sem predadores naturais, elas consumiam quase todas as plantas da ilha, comprometendo a biodiversidade local. A remoção, concluída em 2005, reverteu esse cenário.
Pesquisadores do Programa de Pós‑Graduação em Ciências Biológicas do Museu Nacional/UFRJ, liderados pelo professor Nílber Gonçalves da Silva, analisaram o fenômeno. A pesquisa, publicada no Journal of Vegetation Science, chama-se “Da Perturbação à Recuperação: Desvendando o Papel das Cabras e dos Motores Ecológicos na Dinâmica da Vegetação da Ilha da Trindade, Atlântico Sul, Brasil”.
O estudo destaca ainda que, embora a erradicação desses herbívoros fosse fundamental, fatores ambientais como quantidade de chuva influenciaram diretamente o ritmo da recuperação. Anos chuvosos aceleraram a recuperação nas áreas florestais, já que coincidiram com redução nas populações de cabras. Por outro lado, períodos mais secos antes de 2004 potencializaram o impacto negativo das cabras nas pastagens.
Segundo os cientistas, a combinação entre manejo biológico e condições ambientais precisa ser considerada em ações de restauração ecológica. Eles defendem uma “gestão adaptativa” que incorpore o controle de espécies invasoras e variações climáticas. Esse modelo pode servir de referência para conservação de ecossistemas frágeis, sobretudo ilhas, que abrigam espécies endêmicas .
Como afirmou Nílber Gonçalves da Silva, “as ilhas merecem nossa atenção e cuidado”, pois os ecossistemas insulares frequentemente abrigam espécies únicas que podem desaparecer com pequenas perturbações .
Contexto regional
A Ilha da Trindade está localizada a cerca de 1.200 quilômetros da costa capixaba. O Espírito Santo tem se destacado em fóruns ambientais. Em maio, sua delegação levou propostas à Conferência Nacional de Meio Ambiente, com foco em restauração ecológica e educação ambiental. Outro evento, o Sustentabilidade Brasil, promovido em Vitória, já sinalizou o estado como referência em ações de conservação e diálogo climático.
Lições e perspectivas
- Controle de espécies invasoras: a retirada das cabras foi decisiva para a recuperação ecológica. Sem intervenções humanas — como controlar espécies invasoras —, ambientes fragilizados tendem a não se regenerar naturalmente.
- Interação com o clima: restauração depende do contexto ambiental. Políticas públicas devem incluir sistemas de monitoramento climático para orientar ações conforme variabilidade sazonal.
- Gestão adaptativa: as soluções devem ser flexíveis, combinando técnicas de biologia, manejo e ciência climática para garantir resiliência aos ecossistemas.
- Replicabilidade: o caso da Ilha da Trindade serve como modelo para outras ilhas e áreas sensíveis, mostrando que estratégias integradas podem reverter séculos de degradação.
O projeto de restauração da Ilha da Trindade mostra que a combinação entre retirada de espécies invasoras, atenção ao clima e estratégias adaptativas pode transformar drasticamente áreas degradadas.