
China acelera domínio naval: dados, indústria e estratégia por trás da marinha que já muda o equilíbrio no Indo-Pacífico.
Esta semana o presidente Xi Jinping reuniu na cidade de Tianjin, na China líderes mundiais, entre eles, Vladimir Putin (Rússia) e Narendra Modi (Índia). O objetivo, mostrar que o dragão chinês está, mais do que nunca, em movimento, buscando uma governança global mais justa e equitativa, sem perder de vista o fortalecimento de seu poderia militar, especialmente nos mares. Aproveitando um meio a um cenário geopolítico efervescente, a China busca projetar sua força de maneira inquestionável, redefinindo o equilíbrio de poder nos oceanos.
A China, com sua impressionante capacidade de construção naval, emerge como uma potência marítima sem precedentes, desafiando a hegemonia estabelecida e gerando inquietação em Washington e aliados. Essa expansão vertiginosa não é apenas uma questão de números, mas sim um reflexo de ambições crescentes e de uma estratégia cuidadosamente orquestrada para solidificar sua posição no cenário mundial, com implicações que reverberam globalmente.
Os estaleiros mais eficientes do mundo
Nas águas cintilantes do Mar Amarelo, onde a brisa carrega os ecos de canções patrióticas entoadas por aposentados em karaokês portáteis, ergue-se um monumento à ambição chinesa: o estaleiro de Dalian. Longe da atmosfera festiva do Parque Suoyuwan, este berço da construção naval é o epicentro de uma transformação que redefine o poderio militar global. A China, em uma corrida contra o tempo e as nações ocidentais, não apenas construiu a maior marinha do mundo em número de embarcações, mas também demonstrou uma capacidade de produção que supera, em muito, a de seus concorrentes mais próximos.
Nos últimos anos, o investimento massivo de Pequim na indústria naval resultou em uma hegemonia incontestável. Mais de 60% dos pedidos mundiais de construção naval foram direcionados aos estaleiros chineses, um número que ressalta a velocidade e eficiência com que o país asiático consegue transformar aço em cascos de navios. Nick Childs, renomado especialista marítimo do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, em Londres, destaca a magnitude dessa disparidade: “A capacidade de construção naval chinesa é cerca de 200 vezes maior que a dos Estados Unidos.”
Essa liderança, que se estende à sua marinha, agora conta com uma frota de 234 navios de guerra, ultrapassando os 219 da Marinha dos EUA. Embora a frota americana ainda possua uma tonelagem geral maior e uma vantagem tecnológica inegável, especialmente em porta-aviões de grande porte e submarinos mais sofisticados, a recuperação chinesa é um fato inegável.
A ascensão da China é intrinsecamente ligada ao mar. Como a segunda maior economia do mundo, o país abriga sete dos dez portos mais movimentados do planeta, vitais para as rotas globais de abastecimento. Com o crescimento de suas ambições, cresceu também seu arsenal naval, alimentando uma confiança cada vez maior em suas reivindicações no Mar da China Meridional e além.
A estratégia do dragão: modernização e expansão
Sob a liderança do presidente Xi Jinping, a China tem impulsionado uma agenda de modernização e expansão militar sem precedentes. Entre 2019 e 2023, os quatro maiores estaleiros chineses – Dalian, Guangzhou, Jiangnan e Hudong-Zhonghua – produziram 39 navios de guerra, totalizando um deslocamento de 550.000 toneladas. Em comparação, a Marinha Real do Reino Unido possui um deslocamento total estimado em 399.000 toneladas, evidenciando a escala da produção chinesa.
“Não há sinais de que os chineses estejam desacelerando”, afirma Alexander Palmer, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), e autor do relatório “Unpacking China’s Naval Buildup”. Ele ressalta que, embora a contagem de cascos não seja a única medida de eficácia de uma marinha, “a capacidade de produzir e produzir navios de guerra tem sido extremamente impressionante e pode fazer uma diferença estratégica”.
Contudo, a Marinha chinesa ainda enfrenta limitações. Com apenas dois porta-aviões operacionais e menos submarinos do que os EUA, a sua capacidade de projeção de poder para longe de suas costas é, por enquanto, restrita. Os submarinos chineses, em grande parte, são construídos para operações em águas mais rasas do Mar da China Meridional.
No entanto, essa realidade está mudando rapidamente. Imagens de satélite recentes, divulgadas em setembro de 2025, revelam uma expansão significativa das bases navais chinesas, como a de Yulin, na província insular de Hainan. Com cinco novos píeres construídos nos últimos cinco anos, acredita-se que a China planeja basear todos os seus submarinos da classe Jin (Tipo 094) neste porto, cada um capaz de transportar 12 mísseis nucleares.
Além disso, vídeos e fotografias de ensaios militares, compartilhados nas redes sociais chinesas, indicam a introdução de novos tipos de drones subaquáticos não tripulados. Estes dispositivos, com aparência de grandes torpedos, podem revolucionar a vigilância em águas profundas e a detecção de submarinos inimigos ou cabos submarinos, sem expor as forças navais chinesas. Embora a tecnologia ainda esteja “não comprovada” e o cronograma de suas capacidades seja incerto, como alerta Matthew Funaiole, do Projeto de Energia da China do CSIS, o potencial estratégico é imenso.
A fusão militar-civil e a vantagem estratégica
A China, impulsionada por um nacionalismo fervoroso e pela memória de “humilhações” passadas, vê a construção de uma marinha forte como essencial para salvaguardar sua segurança nacional. O presidente Xi Jinping tem defendido fervorosamente o conceito de “fusão militar-civil”, onde estaleiros militares e civis trabalham lado a lado, otimizando a produção e a inovação. Dalian, considerado um “estaleiro emblemático”, é um exemplo claro dessa estratégia.
Enquanto turistas e aposentados desfrutam da vista para os gigantescos navios comerciais em Dalian, guindastes movimentam helicópteros sobre os conveses de navios militares, isolados em áreas restritas. Essa integração entre setores civis e militares confere à China uma vantagem crucial em caso de conflito prolongado. “Em qualquer conflito prolongado, se você tiver estaleiros que produzam novos navios rapidamente, isso representa uma enorme vantagem estratégica”, explica Funaiole. Navios comerciais podem ser adaptados para transportar suprimentos e equipamentos, garantindo a sustentação de um esforço de guerra. A questão direta é: “Quem pode colocar mais ativos na água de forma mais rápida e fácil?” A resposta, no momento, é a China.
O desafio a Washington e a geopolítica no Pacífico
A rápida ascensão naval da China não passou despercebida em Washington. O presidente dos EUA, Donald Trump, já havia sinalizado a intenção de revitalizar a construção naval americana para retomar a vantagem marítima. No entanto, essa é uma “tarefa muito difícil”, conforme aponta Nick Childs, dada a diminuição da capacidade de construção naval dos EUA nas últimas décadas.
A maior preocupação de Washington e de seus aliados é o impacto dessa expansão no Mar da China Meridional e na questão de Taiwan. Pequim considera Taiwan uma província separatista e não descarta o uso da força para a “reunificação”. Embora o professor Hu Bo, diretor do Centro de Estudos de Estratégia Marítima da Universidade de Pequim, afirme que a China tem paciência e prefere a unificação pacífica, a retórica e as ações militares chinesas sugerem uma postura mais assertiva.
Em fevereiro de 2025, navios de guerra chineses foram avistados circunavegando a costa da Austrália por mais de três semanas, realizando exercícios de tiro real sem precedentes. Mais recentemente, porta-aviões chineses realizaram exercícios navais perto do Japão, embora em águas internacionais, gerando preocupação. Esses movimentos indicam que a China está cada vez mais disposta a projetar seu poder para além de suas costas.
Apesar das garantias de Pequim de que a construção de sua marinha não visa interferir militarmente nos assuntos de outros países, a comunidade internacional observa com cautela. O mantra chinês de “esconder sua força, esperar o momento certo” ecoa nas mentes dos líderes mundiais, especialmente diante da crescente ousadia de Pequim em suas tentativas de projetar poder no Pacífico.
No entanto, o professor Hu Bo minimiza os temores de um conflito catastrófico entre EUA e China, ressaltando que ambos os lados estão “preparados para isso, mas não queremos brigar entre nós”.
Um sonho oceânico em construção
De volta a Dalian, a cidade-fortaleza naval de Lushunkou ostenta um parque temático militar no formato de um porta-aviões, onde guias alertam os visitantes para não fotografar os navios militares. Placas em pontes e muros declaram: “unidos como um, defendemos nosso sonho oceânico”. É nesse orgulho nacional que reside a força motriz por trás da impressionante capacidade de construção naval da China.
A questão-chave para os EUA e seus aliados é até onde a frota de guerra da China pode navegar e quão longe de suas costas Pequim está preparada para se aventurar. Nick Childs conclui que, embora ainda tenham um longo caminho a percorrer, os chineses “certamente estão ultrapassando os limites”. O mundo observa, enquanto o gigante dos mares continua a crescer, reescrevendo as regras do poder naval e redefinindo a paisagem geopolítica global.
Exercícios para mostrar o poderio
Nos últimos meses, a Marinha chinesa realizou exercícios de grande escala próximos ao Estreito de Taiwan. Caças, mísseis de longo alcance e simulações de bloqueio naval foram empregados. O governo de Taipei respondeu com manobras defensivas, enquanto os Estados Unidos reforçaram sua presença na área com destróieres e porta-aviões.
A expansão naval chinesa também preocupa países vizinhos. O Japão anunciou a instalação de novas baterias antimísseis nas ilhas de Okinawa. As Filipinas autorizaram maior acesso de tropas americanas a bases militares no arquipélago. A Austrália intensificou patrulhas conjuntas com os EUA no Mar de Coral.
Analistas apontam que a estratégia chinesa combina expansão industrial, modernização tecnológica e presença militar contínua. O país busca garantir rotas de comércio e dissuadir movimentos de independência em Taiwan. Para Washington, a tendência reforça a necessidade de alianças regionais e manutenção da liberdade de navegação.
A disputa naval marca uma nova etapa da rivalidade entre China e Estados Unidos no Indo-Pacífico. O Brasil acompanha os desdobramentos como observador, uma vez que a região concentra parte significativa das exportações nacionais de grãos e minérios.