Mosca ‘come-carne’ avança no México, causa mortes e chega aos EUA com primeiro caso humano

Cochliomyia hominivorax,- mosca “come-carne”

O avanço de um parasita carnívoro está gerando alerta internacional. No México, a infestação pelo verme-bicheira do Novo Mundo aumentou mais de 50% em poucas semanas, afetando tanto rebanhos quanto pessoas. O impacto econômico já preocupa o setor pecuário, e as autoridades de saúde redobram os esforços para conter o surto. Nos Estados Unidos, o registro do primeiro caso humano após viagem à América Central reforça a dimensão global da ameaça. A cooperação entre governos é vista como essencial para frear a expansão desse inseto que literalmente devora carne viva.

Dados oficiais indicam que o número de animais infestados pelo parasita cresceu 53% nas quatro semanas até meados de agosto, chegando a 5.086 casos, com 649 ainda ativos. Embora o gado seja o mais atingido, há registros também em cães, cavalos, ovelhas e humanos, especialmente nos estados de Chiapas e Campeche.

Hospitais da região já trataram dezenas de pessoas. Entre os casos, o mais grave ocorreu em julho, quando uma mulher de 86 anos morreu em Campeche, vítima de câncer de pele agravado pela infestação de larvas.

O que é o verme-bicheira do Novo Mundo

A mosca-bicheira (Cochliomyia hominivorax), também chamada de screwworm, deposita ovos em feridas abertas ou membranas mucosas — como nariz, boca, pálpebras, orelhas e genitais. As larvas eclodem e se enterram no tecido vivo, alimentando-se de carne. Esse processo, conhecido como miíase, pode causar dor intensa, necrose e até morte, caso não tratado rapidamente.

Especialistas alertam que, embora casos fatais em humanos sejam raros, idosos e pessoas com doenças pré-existentes estão em maior risco. Sintomas típicos incluem feridas que não cicatrizam, sensação de larvas se movimentando e presença visível dos parasitas.

Primeiro caso nos EUA

Em agosto, autoridades americanas confirmaram a presença do parasita em um paciente em Maryland, que havia retornado de El Salvador. O caso, já tratado, foi o primeiro do tipo em solo americano desde a erradicação do inseto em 1966, quando os EUA lançaram um programa inovador de liberação de moscas estéreis. O México seguiu a mesma estratégia e declarou-se livre do parasita em 1991.

No entanto, o verme-bicheira permanece comum em áreas tropicais e subtropicais da América Central e do Sul, e retornou ao México em novembro de 2024.

Riscos econômicos e medidas de contenção

A ameaça vai além da saúde pública: autoridades estimam que a infestação pode custar até US$ 1,8 bilhão à pecuária americana, enquanto o México já calcula perdas de US$ 1,3 bilhão nas exportações e prejuízo de US$ 25 a 30 milhões por mês no setor da carne.

A ofensiva aérea dos EUA

Para frear a expansão do parasita, o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) prepara um plano de combate inédito. A estratégia consiste em liberar milhões — e futuramente até bilhões — de moscas estéreis sobre áreas de risco no México e no sul do Texas.

A técnica, conhecida como Sterile Insect Technique (SIT), já foi utilizada com sucesso na erradicação do verme-bicheira no século passado. Funciona assim: moscas machos são esterilizadas em laboratório e soltas em larga escala. Ao copularem com fêmeas, impedem a reprodução da espécie, levando ao declínio da população ao longo do tempo.

No México, uma fábrica em Chiapas, avaliada em US$ 51 milhões (sendo US$ 21 milhões financiados pelos EUA), deve começar a produzir até 100 milhões de moscas estéreis por semana a partir de 2026. Paralelamente, uma instalação está em construção em Edinburg, Texas, com capacidade de até 300 milhões de moscas por semana. Enquanto isso, centros no Panamá e no próprio México já estão ampliando a produção emergencial.

Prevenção e vigilância

Além da estratégia aérea, governos reforçam medidas sanitárias: campanhas de conscientização junto a produtores, uso de cães farejadores em fronteiras, inspeção de rebanhos e orientações à população.

O Ministério da Saúde do México e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) recomendam cuidados simples, mas eficazes: manter feridas limpas e cobertas, usar repelente de insetos e procurar assistência médica em caso de sintomas suspeitos — como feridas que não cicatrizam ou sensação de larvas se movendo sob a pele.

Um desafio continental

A reaparição do verme-bicheira, erradicado dos EUA em 1966 e do México em 1991, evidencia a vulnerabilidade das cadeias globais de produção pecuária diante de agentes biológicos. A cooperação entre países será decisiva para conter a ameaça antes que ela alcance proporções incontroláveis.

Enquanto bilhões de moscas de laboratório são preparadas para decolar em aviões sobrevoando áreas críticas, especialistas lembram: o combate à mosca “come-carne” é também uma corrida contra o tempo — e contra um inimigo invisível que já demonstrou o quanto pode custar.

Orientações para a população

O Ministério da Saúde mexicano e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) recomendam que viajantes que retornem de áreas rurais em regiões afetadas fiquem atentos aos sintomas e busquem atendimento médico diante de qualquer suspeita.

Medidas simples de prevenção podem reduzir o risco: manter feridas limpas e cobertas, aplicar repelente de insetos e evitar contato com animais doentes.