Mortes em acidentes de moto disparam e já representam quase 40% das vítimas no trânsito brasileiro

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País registra salto preocupante nas fatalidades envolvendo motociclistas; estados do Norte e Nordeste lideram ranking e acendem alerta sobre mobilidade e segurança.

O Brasil voltou a registrar aumento na taxa de mortes por acidentes de trânsito em 2023, atingindo 16,2 óbitos por 100 mil habitantes, segundo dados inéditos do Atlas da Violência. O destaque negativo fica para os acidentes com motocicletas: a taxa saltou 12,5% em relação ao ano anterior, alcançando 6,3 mortes por 100 mil habitantes, maior patamar da década. O estudo, divulgado nesta segunda-feira (12), evidencia a crescente participação das motos no cenário de tragédias viárias, especialmente nas regiões mais pobres.

Desde 2020, a taxa de mortalidade por acidentes envolvendo motos permanecia estável, mas rompeu a tendência e voltou a subir. Entre 2013 e 2023, enquanto as mortes gerais no trânsito recuaram 23,6%, passando de 21,2 para 16,2 por 100 mil habitantes, as mortes de motociclistas subiram 5%, de 6 para 6,3 no mesmo período. O levantamento, coordenado por pesquisadores do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), aponta a moto como protagonista de uma crise silenciosa no trânsito nacional.

No total, o país registrou 34,9 mil acidentes de trânsito com morte em 2023, um aumento de mil casos em relação ao ano anterior. Desses, quase 13,5 mil envolveram motocicletas, consolidando uma tendência de alta que se acentuou a partir do crescimento da frota de motos, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Segundo o pesquisador Carlos Henrique Carvalho, do Ipea, “a frota de moto vem aumentando muito, principalmente nos estados mais pobres, já que é um veículo mais acessível, de custo operacional baixo”.

A influência das motocicletas no cenário de mortes viárias é evidente: em 2023, elas estiveram presentes em 38,6% dos acidentes fatais. Em estados como Piauí (69,4%), Ceará (59,5%) e Alagoas (58,4%), esse percentual ultrapassa a metade dos óbitos no trânsito. Já em grandes centros como Rio de Janeiro (21,4%) e Distrito Federal (24,5%), o índice é bem menor, refletindo diferenças regionais na mobilidade e infraestrutura.

O crescimento das mortes de motociclistas não ocorre por acaso. O uso intensivo das motos, impulsionado pela precarização do transporte público, novas formas de trabalho e a facilidade de aquisição do veículo, transformou a paisagem urbana e rural. Ao mesmo tempo, expôs milhões de brasileiros a riscos elevados. “A motocicleta não oferece proteção ao usuário. Quando há sinistro, a chance de lesão grave ou óbito é muito alta”, alerta Carvalho.

O Atlas da Violência ainda chama atenção para o debate sobre o transporte de passageiros por motocicleta, tema polêmico em cidades como São Paulo, onde a prefeitura trava batalhas judiciais para impedir o serviço. Os dados mostram que, em 2000, apenas 15% das mortes no trânsito eram de motociclistas. Em 2010, o índice saltou para quase 35%. Hoje, chega a 40%, consolidando a moto como símbolo de mobilidade — e de vulnerabilidade — no Brasil contemporâneo.

Entre os estados com maiores taxas de mortes por acidentes com motos, destacam-se Piauí (21/100 mil), Tocantins (16,9/100 mil) e Mato Grosso (14,7/100 mil). No extremo oposto, estão São Paulo (3,6/100 mil), Rio Grande do Sul (3,7/100 mil) e Amapá (2,3/100 mil). O levantamento, elaborado com dados do IBGE, do Sistema de Informações sobre Mortalidade e do Sinan, reforça a urgência de políticas públicas voltadas à redução de mortes e à regulação do uso de motocicletas.

Diante desse cenário, especialistas apontam a necessidade de ações integradas para frear o avanço das mortes de motociclistas, incluindo campanhas de educação no trânsito, melhoria da fiscalização, revisão da legislação e promoção de alternativas de transporte mais seguras e acessíveis. A mobilidade sobre duas rodas, que facilitou a vida de muitos brasileiros, também trouxe desafios urgentes para a saúde pública e a segurança viária.