HMS Endeavour – A saga do lendário navio de Cook nas águas americanas – e a polêmica que vem a reboque!

Após décadas de busca, museu australiano crava: destroços em Rhode Island são do icônico barco. Mas arqueólogos locais dizem ‘calma lá!’ Uma história de detetive subaquática com tempero de disputa internacional.

A lenda dos mares, o HMS Endeavour do Capitão Cook, parece ter sido finalmente encontrada! Ou será que não? O Museu Marítimo Nacional Australiano (ANMM) bateu o martelo: os destroços esquecidos em Newport Harbor, Rhode Island (EUA), são do icônico navio britânico, afundado propositalmente em 1778. A identificação culmina uma busca de décadas por um dos naufrágios mais cobiçados do mundo. Mas a festa da descoberta foi abruptamente interrompida por arqueólogos americanos parceiros, que classificaram o anúncio como “precipitado” e uma “violação contratual”, acendendo uma inesperada batalha sobre a identidade do velho casco.

Imagine a cena: águas turvas e frias, um quebra-cabeça submerso de madeira antiga e metal corroído repousando no leito marinho há mais de dois séculos. Por mais de 22 anos, equipes vasculharam essa área na costa leste americana. O Endeavour não é um navio qualquer; ele levou James Cook em sua primeira épica viagem de descobrimento (1768-1771), mapeou a costa leste da Austrália e transformou nosso mapa-múndi. Agora, a confirmação australiana, baseada no que chamam de “preponderância de evidências”, colide com a cautela americana, transformando um achado histórico numa fascinante – e um tanto atrapalhada – novela arqueológica internacional.

Uma Caça ao Tesouro Subaquático Digna de Filme

A busca pelo Endeavour sempre teve um quê de romance e aventura. Afinal, estamos falando do navio que abriu janelas para o Pacífico Sul. Depois de sua famosa viagem, ele teve uma vida menos glamorosa e um fim quase anônimo: renomeado como Lord Sandwich, foi usado pelos britânicos como navio-prisão e depois deliberadamente afundado junto com outros 12 navios em Newport Harbor para bloquear a frota francesa durante a Guerra de Independência Americana. Um fim inglório para um gigante dos mares.

Por décadas, historiadores e arqueólogos sonharam em localizá-lo. A área do naufrágio era conhecida, mas identificar qual dos muitos destroços era o Endeavour era o verdadeiro desafio. O trabalho meticuloso de mapeamento e investigação subaquática foi liderado em grande parte pelo Projeto de Arqueologia Marinha de Rhode Island (RIMAP), sob a batuta da Dra. Kathy Abbass. Eles eram os guardiões locais dessa história submersa.

Réplica do Endeavour. / Museu Marítimo Nacional Australiano

As Pistas Que Sussurram “Endeavour”

O que levou o Museu Marítimo Nacional Australiano (ANMM), parceiro do RIMAP desde 1999, a declarar “Eureka!”? Segundo Kevin Sumption, diretor do ANMM na época do anúncio, uma combinação de fatores fechou o cerco. Arquivos históricos detalhavam o destino do Lord Sandwich (ex-Endeavour). E as evidências arqueológicas no sítio específico, conhecido como RI 2394, batiam com as informações.

  • Detalhes Estruturais: O tamanho e a forma dos restos coincidem com os planos do Endeavour.
  • Construção: Características específicas da construção naval britânica do século XVIII foram identificadas.
  • Madeira Falante: Amostras de madeira retiradas dos destroços seriam de carvalho europeu, o mesmo tipo usado na construção original do Endeavour (originalmente um navio carvoeiro chamado Earl of Pembroke antes de ser comprado e adaptado pela Marinha Real).

Para os australianos, a “preponderância das evidências” era clara. Era hora de contar ao mundo. Como disse Sumption, era um “momento importante” para a história marítima da Austrália, Reino Unido e EUA.

“Calma Lá!” – A Controvérsia Estoura Como Champanhe Aberto Cedo Demais

A notícia mal tinha começado a circular e a Dra. Abbass, do RIMAP, jogou um balde de água fria (ou talvez água do porto mesmo) na celebração. Em um comunicado duro, ela acusou o ANMM de pular etapas e quebrar o acordo de colaboração. Para o RIMAP, a conclusão era prematura. “O RIMAP é o principal investigador do local do naufrágio”, afirmou ela, enfatizando que o trabalho de identificação ainda não estava concluído e que o anúncio australiano era mais baseado em “emoção australiana” do que em ciência sólida.

O tom não era nada amigável. Falou-se em “violação contratual” e na necessidade de um “processo científico legítimo”. A disputa transformou o que deveria ser uma celebração conjunta numa espécie de “guerra dos destroços”, com cada lado defendendo sua interpretação das pistas subaquáticas. Um toque de humor agridoce: o navio que uniu continentes em sua viagem agora gerava uma pequena discórdia transcontinental.

Por Que o Endeavour Importa Tanto? Um Ícone Flutuante

Mas por que tanto alvoroço por um monte de madeira velha no fundo do mar? O HMS Endeavour é mais que um navio; é um símbolo.

  • Exploração: A primeira viagem de Cook a bordo dele mudou a percepção ocidental do mundo, mapeando vastas áreas do Pacífico e confirmando que a Austrália era uma massa de terra continental.
  • Ciência: Levou a bordo o naturalista Joseph Banks e sua equipe, que coletaram milhares de espécimes de plantas e animais desconhecidos, impulsionando o conhecimento científico.
  • Legado: Tornou-se um ícone da Era dos Descobrimentos e da história naval britânica e australiana.

Encontrar seus restos seria como desenterrar um pedaço tangível dessa história monumental. É o equivalente arqueológico a encontrar a assinatura perdida de Shakespeare ou um rascunho original de Da Vinci.

Seja o Endeavour ou não aquele amontoado de madeira no fundo do porto de Newport, a paixão pela história e pela descoberta continua a nos mover. A saga do navio de Cook, mesmo em seus capítulos mais recentes e, digamos, temperados pela controvérsia, prova que o passado ainda tem muito a nos contar – e, às vezes, adora uma boa discussão regada a água salgada. Resta aguardar os próximos mergulhos, relatórios mais detalhados e, quem sabe, um aperto de mãos (ou nadadeiras?) entre os caçadores de naufrágios para que a história do Endeavour possa finalmente ter um ponto final… ou pelo menos um novo capítulo consensual. A arqueologia, como a exploração, exige paciência e, pelo visto, um bom advogado contratual.