Hamas libera os 20 últimos reféns israelenses vivos após 738 dias de cativeiro

Imagem: divulgação

Após mais de dois anos desde o ataque de 7 de outubro de 2023, um acordo de cessar-fogo mediado pelos Estados Unidos resultou na libertação dos 20 últimos reféns israelenses ainda vivos. Em contrapartida, Israel iniciou a soltura de cerca de 1.900 prisioneiros palestinos, incluindo 250 condenados à prisão perpétua.

A entrega dos reféns ocorreu sob escolta da Cruz Vermelha, que os repassou às autoridades israelenses após cruzarem a fronteira desde Gaza. Os libertados, em sua maioria jovens homens, receberam atendimento médico imediato ao chegarem a instalações israelenses. Entre eles está Alon Ohel, pianista de 24 anos sequestrado durante o massacre no festival Nova em 2023.

O momento do reencontro com familiares foi marcado por cenas de profunda emoção em Tel Aviv, onde multidões acompanharam os instantes finais da transferência. Apesar do alívio imediato, o Hamas ainda deve recuperar os corpos dos 28 reféns mortos durante o cativeiro.

A presença diplomática de Donald Trump

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump esteve diretamente envolvido na mediação do acordo e viajou a Israel no momento da conclusão do cessar-fogo. Recebido com manifestações de apoio em Tel Aviv, Trump discursou no parlamento israelense (Knesset) e declarou que o conflito havia chegado ao fim, saudando o pacto como um “novo capítulo” para o Oriente Médio.

Trump apresentou anteriormente um plano de paz com cerca de 20 pontos, incluindo a troca de prisioneiros, retirada parcial das tropas israelenses e a reestruturação da administração de Gaza sob supervisão internacional. Em fevereiro de 2025, ele havia oferecido uma proposta polêmica para que os EUA assumissem o controle administrativo e a reconstrução de Gaza.

Após Israel, Trump seguiu para o Egito. Líderes de diferentes países saudaram o desfecho como um passo significativo rumo à estabilidade regional, embora com cautela.

Demonstração de poder do Hamas

Durante o processo de libertação, o Hamas organizou uma demonstração de poder, mobilizando combatentes armados em Gaza para marcar sua presença pública. A exibição militar evidenciou que, apesar do cessar-fogo, o grupo mantém estrutura operacional e capacidade de mobilização no território.

Os desafios que permanecem

A libertação dos últimos reféns representa um marco simbólico e emocional, mas os desafios estruturais permanecem complexos e interligados:

Desarmamento e controle territorial: Como assegurar que o Hamas abdique de sua capacidade militar sem criar um vácuo de poder em Gaza? Essa questão permanece sem resposta clara e representa o maior obstáculo para uma paz duradoura.

Papel da Autoridade Palestina: Negociações prévias indicavam uma possível reintegração da Autoridade Palestina como gestora civil de partes de Gaza, mas a viabilidade política dessa transição é incerta.

Sustentação da trégua: Acordos de cessar-fogo anteriores já se romperam. A vigilância internacional será fundamental para evitar que as hostilidades retornem.

O saldo humanitário devastador

Enquanto a diplomacia celebra o acordo, os números da guerra revelam uma catástrofe humanitária de proporções históricas.

Destruição urbana sem precedentes

Desde 7 de outubro de 2023, Gaza foi alvo de intensa campanha militar com bombardeios e operações terrestres. Estudos recentes usando radar de satélite estimam que cerca de 191 mil edifícios foram destruídos ou danificados, o que representa mais da metade do parque habitacional da Faixa.

Bairros residenciais inteiros foram pulverizados, ruas se tornaram escombros e infraestrutura essencial como água, eletricidade e hospitais foi destruída. O território ficou praticamente arrasado em muitos setores.

Fome como arma de guerra

Uma das estratégias mais letais do conflito foi o bloqueio deliberado de auxílio humanitário, transformando a guerra em uma crise de sobrevivência. Organizações internacionais e a OMS alertam que a população de Gaza enfrenta risco de fome em escala catastrófica:

  • Mais de 470 mil pessoas já enfrentam condições de fome aguda, segundo UNICEF e WFP
  • Em 2025, 112 crianças por dia foram admitidas para tratamento de desnutrição aguda
  • Em uma única madrugada, autoridades de saúde informaram 15 mortes por inanição, entre elas quatro crianças
  • Mais de 100 casos de morte por fome foram confirmados
  • Estima-se que 71 mil crianças e mais de 17 mil mães correm risco grave de desnutrição aguda

A ONU e comitês de direitos internacionais classificaram essas práticas como uso deliberado da fome como arma de guerra, proibidas pelo direito internacional humanitário.

A geração perdida

As crianças foram as principais vítimas deste conflito. Relatórios da UNICEF, agências da ONU e organizações de direitos humanos apontam que um percentual elevado das vítimas civis é formado por crianças e mulheres. Em muitos levantamentos, 40% ou mais dos mortos em Gaza são crianças.

Ao longo de apenas um ano, mais de 14 mil crianças foram relatadas mortas. Em determinados períodos críticos, milhares de menores perderam a vida por bombardeios, colapsos estruturais ou pela falência de sistemas de saúde.

O relatório “A Year of Tears” da UNICEF documenta deslocamentos massivos, mortes sob os escombros, separação de menores de cuidadores e traumas prolongados. As crianças que sobrevivem carregam sequelas físicas, déficits de crescimento e doenças ligadas à fome, além dos traumas psicológicos profundos.

A reconstrução necessária

O regime de cessar-fogo abrirá rotas para ajuda humanitária urgente, mas a reconstrução de Gaza exigirá recursos monumentais e pactos duradouros. Será preciso reconstruir não só concreto e edifícios, mas a vida de milhões de pessoas.

Se a paz for duradoura, será necessário mais do que acordos diplomáticos: justiça, responsabilização e garantias de que nada semelhante volte a ocorrer. O desafio agora é transformar declarações e tratados em ações concretas que reconstruam esperanças, não apenas muros.

A libertação dos 20 últimos reféns israelenses vivos marca o fim de um capítulo doloroso, mas o sucesso deste novo momento dependerá da capacidade de transformar acordos militares e diplomáticos em paz efetiva e duradoura.