
Uma análise das ações israelenses à luz do direito internacional, dos interesses geopolíticos e da proposta de Trump para um resort em Gaza.
Desde outubro de 2023, a Faixa de Gaza foi transformada em ruínas. Mais de 53 mil palestinos já morreram — a maioria civis, incluindo milhares de crianças — em bombardeios sistemáticos conduzidos por Israel. Nenhum ataque relevante do Hamas ao exército israelense foi registrado nos últimos meses, mas a ofensiva militar continua. Organizações como a ONU, Human Rights Watch e Anistia Internacional apontam: o que está em curso é um genocídio.
Mas a destruição de Gaza pode ter motivações que vão além da retaliação ou da segurança nacional. Um plano revelado durante o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, propõe transformar a faixa litorânea palestina em um polo turístico de luxo, com hotéis, cassinos e marinas — algo incompatível com a existência da população original. Seria essa limpeza territorial um passo deliberado para abrir espaço ao capital internacional?
A Faixa de Gaza: Da ruína à “revitalização”?
Em 2020, durante o primeiro mandato de Trump, seu governo divulgou um projeto ambicioso: o chamado “Peace to Prosperity”. Embora travestido de plano de paz, o projeto previa investimentos bilionários para reconstruir Gaza, desde que os palestinos renunciassem à resistência e aceitassem a tutela israelense. Um dos trechos mais controversos sugeria que Gaza poderia se tornar uma “área vibrante, cheia de resorts e oportunidades de investimento para o setor privado”.
O “detalhe”? Para esse paraíso acontecer, Gaza — e sua população — precisariam ser “reiniciadas”. Não há turismo de luxo em meio à pobreza, à resistência política e à memória de massacres. Primeiro seria necessário apagar Gaza como ela é. Segundo analistas internacionais, essa lógica explica parte da brutalidade da ofensiva: ao destruir a infraestrutura e forçar o deslocamento de 2,3 milhões de pessoas, cria-se o cenário ideal para a reconstrução “ocidentalizada”.
O que configura genocídio?
Segundo a Convenção da ONU de 1948, genocídio é qualquer ato cometido com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo étnico, racial, nacional ou religioso. Isso inclui assassinatos, ferimentos graves, fome induzida, destruição de infraestrutura essencial e medidas para impedir nascimentos.
Relatórios da ONU e da Anistia Internacional acusam Israel de:
- atacar deliberadamente hospitais e escolas;
- bloquear a entrada de água potável, alimentos e combustível;
- bombardear campos de refugiados e abrigos da ONU;
- deslocar forçadamente a população civil para o sul de Gaza (Rafah), e depois bombardear também essa região.
Segundo a Human Rights Watch, o uso de armas de alta precisão em áreas densamente povoadas indica intenção deliberada. O The Guardian revelou que, em diversos casos, os alvos atingidos estavam listados como “infraestruturas humanitárias”.
O cenário humanitário: fome, sede e colapso
A ONU estima que 1,9 milhão de pessoas foram deslocadas — mais de 80% da população da Faixa de Gaza. A OMS alerta para surtos de doenças infecciosas e casos de desnutrição severa entre crianças. Apenas 5 caminhões com ajuda humanitária conseguiram entrar em Gaza em dias recentes. Antes do conflito, essa média era de 500 por dia.
Especialistas da ONU alertam: 14 mil bebês podem morrer em menos de 48 horas por falta de leite, abrigo e cuidados médicos.
Um resort sobre os escombros?
O timing do silêncio militar do Hamas e da intensificação do cerco israelense levanta suspeitas: se o inimigo militar está paralisado, por que a ofensiva continua? A resposta pode estar menos na segurança e mais no mercado imobiliário.
A proposta do resort de luxo, mencionada por Jared Kushner (genro de Trump e principal articulador do plano), previa um “corredor de turismo e negócios conectando Gaza ao Egito e a Israel”. A geografia costeira de Gaza, com praias no Mediterrâneo, foi descrita como “um ativo subutilizado”.
Em outras palavras: o que para os palestinos é lar, para investidores é um terreno promissor — desde que limpo, plano, sem ruínas nem resistência.
Reações internacionais e o peso da Corte Internacional
A África do Sul moveu ação contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ), acusando o Estado de praticar genocídio. A Corte já emitiu ordens provisórias: Israel deve permitir ajuda humanitária e cessar ações que possam ser enquadradas como genocidas. Até agora, as ordens foram ignoradas.
França, Irlanda e Canadá elevaram o tom contra Israel. O Reino Unido suspendeu acordos comerciais. Mesmo os EUA — tradicional aliado israelense — começaram a manifestar “preocupação com o número excessivo de mortes civis”. Mas nada disso tem sido suficiente para conter a máquina de destruição.
Conclusão: Gaza está sendo apagada
Não é apenas uma guerra. É um apagamento. A cada prédio que cai, a cada poço destruído, a cada bebê sem leite ou abrigo, a mensagem parece clara: Gaza não deve mais existir.
A pergunta não é mais se estamos diante de um genocídio. A pergunta é: por que o mundo ainda não parou isso?
Entre os escombros, entre os corpos e os gritos abafados pela fumaça, está o futuro de um povo. Mas também está o terreno para resorts cinco estrelas, campos de golfe e cassinos — uma distopia onde o turismo surge das cinzas da limpeza étnica.