
Em um contundente relatório intitulado “Da Economia da Ocupação à Economia do Genocídio”, Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os territórios palestinos ocupados, denuncia nesta semana, em Genebra, a relação de mais de 60 empresas – de tecnologia, armamentos e construção – com o que ela classifica como uma campanha genocida liderada por Israel em Gaza. Albanese afirma que “o genocídio, ao que parece, é lucrativo” para estas corporações, e exige que cessem relações comerciais e que seus executivos sejam responsabilizados.
Relatório embasado e setor por setor
O documento, de 27 páginas, reúne mais de 200 contribuições de governos, acadêmicos e ativistas. Identifica grandes empresas:
- Armamentos: Lockheed Martin, Leonardo, HD Hyundai.
- Máquinas pesadas: Caterpillar.
- Tecnologia e vigilância: Alphabet (Google), Microsoft, Amazon, IBM e Palantir.
Segundo o relatório, essas companhias fornecem armas, sistemas de vigilância, nuvem e inteligência artificial, permitindo o monitoramento de palestinos e facilitando operações militares. A relatora alerta que estão “financeiramente vinculadas ao apartheid e ao militarismo” israelense.
Contexto internacional e histórico

Desde 2022, Albanese já apontava a existência de “prováveis” atos genocidas – mais tarde confirmados em opinião expert por tribunais internacionais como o TJH em 2024. O atual relatório aprofunda a análise, introduzindo o conceito de “economia do genocídio” e comparando práticas com limpezas étnicas no passado .
Organizações como Amnistia Internacional, Human Rights Watch e acadêmicos em genocídios também já apontavam uso de fome como arma, destruição sistemática de infraestrutura e milhares de mortes – mais de 56 000 segundo Ministério da Saúde de Gaza.
Reações mais recentes
- Israel, por meio de sua missão em Genebra, classificou o relatório como “legalmente infundado, difamatório e um abuso de cargo”.
- Estados Unidos pressionaram a ONU a destituir Albanese, alegando “má conduta” e “acusações falsas e ofensivas”.
- As corporações citadas ainda não emitiram respostas públicas significativas, exceto declarações genéricas da Caterpillar sobre cumprimento do direito humanitário e da Alphabet sobre a natureza civil de seus contratos.
Ampliação do escopo
Fontes como Al Jazeera informam que o relatório inclui 48 corporações centrais, mas cita um banco de dados com mais de 1 000 entidades relacionadas.
Veículos espanhóis como El País e El Salto acrescentam menções a empresas de diversos setores, incluindo supermercados (Carrefour), logística (Maersk), reservas (Booking, Airbnb) e fins financeiros (BlackRock, Vanguard), apontadas como parte da estrutura global da “economia do genocídio”.
Análise e implicações
Este relatório representa um ensaio sobre responsabilização econômica em conflitos armados: além de apontar crimes de guerra, foca em quem lucra com eles. Ao sugerir sanções, suspensões de contratos e possível intervenção da Corte Penal Internacional, Albanese alimenta o debate sobre a exigência de dever de diligência corporativa e a cobrança ético-legal de executivos.
A dinâmica instalada expõe os riscos das empresas atuarem em zonas de conflito sem avaliação de impacto. Isso pode gerar efeitos colaterais:
- pressão por regulamentos mais rígidos para setores de defesa e tecnologia,
- ampliação de campanhas de boicote e desinvestimento (BDS),
- aumento de movimentos civis exigindo transparência e responsabilidade.
Próximos passos
- Nesta quinta, Albanese apresentará oficialmente o relatório ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.
- Espera-se debate sobre eventuais sanções ou restrições financeiras.
- Organismos e governos poderão se debruçar sobre relatórios similares e considerar processos judiciais ou uso de tribunais como o ICC.
- A sociedade civil vê aí uma janela para mobilização e questionamento ético das práticas corporativas globais.
O relatório de Francesca Albanese reforça a tese de que o conflito em Gaza está integrado a uma “economia do genocídio” — um modelo que, mais do que sofrer, lucra com o sofrimento. Este alerta representa também um claro chamado à ação: empresa não paga, governo não compra, até que se reveja o padrão de apoio. No palco internacional, cobra-se agora uma resposta contundente das nações e das próprias corporações.