EUA saem do Top 10: a queda do passaporte americano e a ascensão asiática

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A era da supremacia do passaporte americano chegou ao fim. Pela primeira vez em duas décadas, os Estados Unidos não figuram entre os dez passaportes mais poderosos do mundo, marcando uma reviravolta histórica que reflete mudanças profundas na geopolítica global e nas dinâmicas de mobilidade internacional.

O novo mapa do poder global

O mais recente Henley Passport Index, referência mundial que mede a força dos passaportes pela quantidade de países acessíveis sem necessidade de visto, revelou um panorama surpreendente: a Ásia domina absoluta o topo da lista.

Singapura conquistou o primeiro lugar com acesso sem visto a impressionantes 193 destinos, seguida pela Coreia do Sul, que alcança 190 países, e pelo Japão, com 189 destinos disponíveis. Este domínio asiático não é coincidência, mas resultado de décadas de diplomacia estratégica e políticas de abertura comercial e cultural.

Enquanto isso, os Estados Unidos despencaram para o 12º lugar, dividindo a posição com a Malásia e oferecendo acesso a apenas 180 destinos. A queda é dramática quando observamos a trajetória: há dez anos, o passaporte americano liderava o ranking mundial.

Uma queda vertiginosa

Os números contam uma história de declínio acelerado. Em 2024, os EUA ainda ocupavam a sétima posição. Em julho deste ano, caíram para o décimo lugar. Agora, nem mesmo o top 10 é mais realidade para a superpotência global.

“O declínio da força do passaporte americano na última década é mais do que apenas uma reformulação nos rankings”, afirma Christian H. Kaelin, presidente da Henley & Partners e criador do índice. “Sinaliza uma mudança fundamental na mobilidade global e na dinâmica do poder brando. Nações que abraçam a abertura e a cooperação estão avançando rapidamente, enquanto aquelas que se baseiam em privilégios do passado estão sendo deixadas para trás.”

O problema da reciprocidade

A raiz do problema americano está em um conceito simples, mas poderoso: reciprocidade. Enquanto portadores de passaporte dos EUA podem acessar 180 destinos sem visto, os próprios Estados Unidos permitem entrada sem visto para apenas 46 nacionalidades. Este desequilíbrio gritante não passou despercebido pela comunidade internacional.

A Henley & Partners, empresa londrina especializada em consultoria de cidadania que compila o ranking há cerca de 20 anos usando dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo, destaca que países como EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia — que oferecem ampla liberdade de viagem aos seus cidadãos mas limitam severamente a entrada de estrangeiros — viram a força de seus passaportes estagnar ou diminuir nos últimos anos.

Retaliações diplomáticas

As consequências práticas dessa política restritiva começaram a aparecer de forma contcontundente. Em abril deste ano, o Brasil encerrou a isenção de visto para americanos, canadenses e australianos, citando explicitamente a falta de reciprocidade como justificativa.

Outros países adotaram abordagens ainda mais estratégicas. China e Vietnã, por exemplo, ampliaram significativamente suas listas de países elegíveis para turismo sem visto — mas excluíram deliberadamente os Estados Unidos dessas expansões.

Essas mudanças não são apenas simbólicas. Elas refletem uma nova realidade geopolítica onde o poder americano, especialmente seu “poder brando”, não é mais inquestionável.

As políticas de Trump

A queda nas classificações coincide temporalmente com as políticas mais rígidas de imigração e viagens implementadas durante o governo Trump. O que começou como medidas focadas na migração não autorizada evoluiu para repressões mais amplas contra turismo, trabalhadores estrangeiros e estudantes internacionais.

Essas políticas enviaram uma mensagem clara ao mundo: os Estados Unidos estão fechando suas portas. E o mundo respondeu na mesma moeda.

O novo sonho americano

A perda de prestígio do passaporte americano está gerando consequências inesperadas dentro dos próprios Estados Unidos. Segundo a Henley & Partners, a busca por dupla cidadania entre americanos disparou, sinalizando que a cidadania americana sozinha pode não ser mais o status de superpotência que já foi.

“Nos próximos anos, mais americanos adquirirão cidadanias adicionais de qualquer maneira que puderem”, prevê Peter J. Spiro, professor de direito na Universidade Temple. “A cidadania múltipla está sendo normalizada na sociedade americana.”

Um usuário de mídia social resumiu esse fenômeno de forma provocativa, mas reveladora: “A dupla cidadania é o novo sonho americano”.

Lições de um mundo em transformação

O declínio do passaporte americano oferece lições valiosas sobre a natureza mutável do poder global no século XXI. Enquanto os Estados Unidos se voltam para dentro, implementando políticas cada vez mais restritivas, nações asiáticas como Singapura, Coreia do Sul e Japão colhem os frutos de décadas de diplomacia ativa e abertura estratégica.

A força de um passaporte não é apenas uma questão de conveniência para viajantes — é um barômetro da influência global, da confiança internacional e das relações diplomáticas de um país. E por esse barômetro, os Estados Unidos estão perdendo terreno rapidamente.

A questão que permanece é: este declínio é reversível, ou estamos testemunhando uma reconfiguração permanente do poder global? A resposta dependerá das escolhas políticas que os Estados Unidos fizerem nos próximos anos — e de como o resto do mundo responderá a essas escolhas.