
Trump ataca o Brasil com tarifa de 50% para proteger Bolsonaro. Será que os americanos sobrevivem a Trump?
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a imposição de uma tarifa de 50% sobre todas as importações brasileiras. O gesto não foi econômico. Foi político. Ao mirar no Brasil, Trump aciona uma tática conhecida: transformar tarifas comerciais em armas de pressão diplomática. O motivo? Pressionar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a interromper o processo judicial contra Jair Bolsonaro, acusado de ser o mentor dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
O caso tem semelhanças claras com a trajetória do próprio Trump. Em 6 de janeiro de 2021, o então presidente americano incitou uma multidão a invadir o Capitólio, numa tentativa de impedir a certificação da vitória de Joe Biden. Em comum, Trump e Bolsonaro contestaram resultados eleitorais, atacaram instituições democráticas e alimentaram teorias da conspiração. Agora, diante da possível responsabilização judicial de seu aliado brasileiro, Trump usa o peso econômico dos EUA como forma de interferência direta.
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A ironia: o Brasil é um dos poucos países com os quais os EUA têm superávit comercial. Em 2024, o saldo positivo para os americanos foi de US$ 7,4 bilhões. Ou seja, o Brasil compra mais dos EUA do que vende. A tarifa de 50% sobre importações brasileiras vai penalizar não apenas produtores e exportadores do Sul global, mas também consumidores e empresas americanas, especialmente nos setores alimentício e energético.
A medida se alinha a uma prática já aplicada por Trump contra aliados históricos como Canadá, México, Japão e União Europeia. Ao invés de negociações diplomáticas, ele opta por embates públicos, muitas vezes via redes sociais, como fez ao publicar uma carta de tom agressivo ao presidente Lula no Truth Social. Essa substituição da diplomacia tradicional por “posts” se tornou marca registrada da sua presidência.
Mas o jogo vai além das tarifas. Em diversas ocasiões em que Trump conversou com o presidente russo Vladimir Putin, registraram-se grandes ofensivas militares da Rússia contra a Ucrânia nos dias seguintes. Só em julho, após uma ligação entre os dois líderes no dia 3, a Rússia lançou o maior ataque de drones da guerra, com mais de 550 artefatos disparados sobre Kyiv. No dia 9, outra ligação. No dia 10, novo ataque em larga escala.
Coincidência? Talvez não. Trump pressiona a Europa a investir mais na OTAN — o que fortalece a indústria bélica dos EUA — e Putin usa o conflito como justificativa para ampliar a produção de armamentos na Rússia. Ambos ganham. A guerra, como um produto geopolítico, alimenta interesses comerciais e estratégias eleitorais. Enquanto discursam sobre trégua e paz, alimentam o fogo da guerra.
Na frente econômica, a mesma lógica. Trump anuncia tarifas, causa instabilidade nos mercados, observa seus aliados lucrarem em ações e depois recua ou reconfigura os termos. É a Casa Branca como balcão de negócios, administrada com lógica de cassino e mentalidade de reality show. Os efeitos são globais. E devastadores.
Mas e o mundo, precisa mesmo de Trump?
A retórica de que os Estados Unidos são indispensáveis à estabilidade global é uma meia-verdade. Juntas, China e União Europeia têm uma economia maior que a dos EUA — tanto em PIB nominal quanto em paridade de poder de compra. Seus mercados internos são robustos e com alto poder aquisitivo. O Sul Global — América Latina, África, Sudeste Asiático — reúne recursos naturais, capacidade produtiva e crescente articulação diplomática. Há vida fora da órbita de Washington.
A verdadeira questão é se os EUA podem sobreviver a Trump. Com um Congresso republicano dividido e uma Suprema Corte majoritariamente nomeada por ele, os freios institucionais parecem vacilantes. A eleição legislativa de meio de mandato, marcada para 2026, será um teste crucial. Continuarão os republicanos reféns de sua popularidade? Ou reagirão, diante da ameaça de perder as conquistas democráticas do século XX?
Do outro lado, o cidadão americano médio começa a perceber que, enquanto os bilionários aliados de Trump lucram com tarifas e contratos militares, direitos sociais estão sendo cortados, subsídios à saúde e educação desaparecem, e o custo de vida sobe. O “America First” pode estar se transformando em um “Few Billionaires First”.
O mundo não precisa de Trump. E talvez já tenha aprendido a viver sem os Estados Unidos como epicentro absoluto das decisões globais.
Resta saber se os próprios americanos sobreviverão às promessas — e à prática — de um presidente que age mais como negociador de bastidores do que como líder de uma democracia.