Dia da Cachaça: a marvada que virou estrela gourmet sem perder o jeito brasileiro

Imagem: divulgação

A cachaça é o Brasil em estado líquido.

No longínquo 13 de setembro de 1661, o Rio de Janeiro foi palco da Revolta da Cachaça. Não se tratava de uma ressaca coletiva, mas de um levante contra a proibição da bebida. Afinal, se a Coroa Portuguesa podia lucrar com vinho e bagaceira, por que não deixar os brasileiros fazerem o mesmo com sua criação de cana? Deu certo: a cachaça foi liberada, e de lá pra cá nunca mais saiu da mesa — ou do balcão.

Séculos depois, a data virou motivo de celebração: 13 de setembro é o Dia da Cachaça. E cá entre nós, poucas efemérides têm tanto gosto de Brasil.

Cachaça não é aguardente, viu?

Aqui vai um ponto importante, que muita gente ainda confunde: cachaça e aguardente não são a mesma coisa.
A cachaça é filha legítima da cana-de-açúcar, feita exclusivamente do caldo fermentado da cana. Já a aguardente é um gênero mais amplo: pode vir de uva, maçã, melado, bagaço e por aí vai. Toda cachaça é uma aguardente, mas nem toda aguardente é cachaça.

É como dizer que todo mineiro é brasileiro, mas nem todo brasileiro é mineiro — embora os mineiros garantam que o Brasil inteiro seria mais feliz se fosse.

De bebida marginal a destilado estrelado

Se antes era chamada de “marvada” e servida em copo americano em botecos de esquina, hoje a cachaça desfila elegante em taças de cristal, com rótulos premium, notas de carvalho francês e até harmonização com fondue de queijo. O salto não é pequeno: segundo o Anuário da Cachaça 2025, já são mais de 1.200 produtores registrados e 7 mil rótulos circulando pelo país. Minas segue como a Meca da bebida, mas até o Ceará anda mostrando força, com crescimento de quase 40% no número de alambiques.

E não se trata apenas de estatística. Muita gente largou carreira sólida para virar produtor de cachaça artesanal — há quem tenha trocado escritório por alambique, gravata por chapéu de palha. Tudo em nome de transformar um copo que antes era “da roça” em experiência gourmet.

Tipos para todos os gostos

  • Transparente (ou prata): fresca, sem envelhecimento, perfeita na caipirinha.
  • Envelhecida: ganha corpo em madeira, combina com churrasco ou feijoada.
  • Premium e Extra Premium: joias de cor âmbar, dignas de degustação lenta, como se fossem uísque escocês, só que com mais samba no DNA.
  • De alambique: artesanal, feita em pequenos lotes, carrega sotaque regional.
  • Aromatizada: com frutas, especiarias ou ervas, é a mais divertida para drinques tropicais.

Cada gole traz uma história, um terroir e, claro, aquele calorzinho que sobe pelo peito e aquece até conversas frias.

O segredo da boa cachaça

O cachacier Delfino Golfeto costuma dizer que a cachaça merece tanto respeito quanto qualquer destilado internacional. E tem razão. Afinal, não é qualquer bebida que consegue estar na caipirinha do turista estrangeiro, no brinde do agricultor, na prateleira de exportação e ainda virar tema de música sertaneja.

Espírito Santo celebra a tradição da cachaça com sabor e identidade

No Espírito Santo, a cachaça não é apenas uma bebida: é parte da memória afetiva, da cultura rural e, cada vez mais, um produto de valor econômico. Em alambiques espalhados pelas montanhas capixabas, pequenas e médias produções vêm conquistando espaço dentro e fora do estado, unindo tradição artesanal e inovação.

Da roça para o copo

Em municípios como Santa Teresa, Venda Nova do Imigrante e Domingos Martins, a cachaça tem cheiro de terra molhada e gosto de festa no interior. Muitas famílias produzem a bebida há gerações, mantendo o processo artesanal: a cana cortada no tempo certo, o cuidado na fermentação natural e a paciência para que o destilado atinja equilíbrio no sabor.

Ao mesmo tempo, cresce o investimento em tecnologia e certificações, garantindo qualidade e competitividade. O resultado é uma bebida que tanto serve para animar a roda de viola quanto para brilhar em concursos nacionais.

Identidade capixaba

A cachaça capixaba carrega características únicas. Por ser produzida em regiões de clima ameno, muitas versões ganham notas mais suaves, com toques frutados e aromas que lembram madeira. Isso faz com que o destilado produzido no Espírito Santo conquiste apreciadores exigentes e se diferencie no mercado.

Além do sabor, ela também se tornou um símbolo de pertencimento. O capixaba que abre uma garrafa não está apenas bebendo: está partilhando histórias, reforçando raízes e valorizando o que nasce da própria terra.

O novo mercado

Com o crescimento do turismo rural e gastronômico, a cachaça do Espírito Santo se tornou atração em si. Festivais regionais, rotas de alambique e experiências de degustação atraem visitantes interessados em conhecer não só a bebida, mas também o modo de vida que a produz.

Esse movimento abre oportunidades para empreendedores locais, que transformam o produto em negócio criativo: cachaças premium envelhecidas em barris de diferentes madeiras, drinques autorais que misturam tradição e modernidade e até iniciativas de exportação.

Seja no copinho de bar da praça, seja em taça sofisticada de degustação, a cachaça do Espírito Santo se firma como patrimônio cultural e potencial econômico. Ela une gerações, fortalece comunidades e prova que, mais do que bebida, é identidade engarrafada.

Um brinde à brasileira

Hoje, a cachaça já não é vista como a prima pobre do uísque ou da vodka. Ela é, de fato, a cara do Brasil: diversa, resistente, criativa e bem-humorada. Ao brindar neste 13 de setembro, vale lembrar: cada dose carrega um pouco da nossa história — de rebelião, de engenho, de resistência e de festa.

E, como diria aquele amigo de boteco, “se a vida te der limões, faça uma caipirinha. Mas não esqueça da estrela principal: a cachaça.”