Crítica ao governo Trump: Dois pesos, duas medidas na guerra digital das Big Techs

Imagem: PicLumen AI

Enquanto o governo Trump aplaude a remoção de canais ligados à China e à Rússia pelo YouTube, silencia — ou pior, condena — iniciativas legítimas de outros países, como o Brasil, quando tentam proteger seus cidadãos das mesmas táticas de desinformação. O duplo padrão revela não apenas uma postura incoerente, mas uma instrumentalização política da liberdade de expressão conforme a conveniência geopolítica dos Estados Unidos.

Recentemente, o YouTube — pertencente à Alphabet/Google — removeu quase 11 mil canais associados a campanhas de desinformação de Estados como China, Rússia, Irã e Turquia, conforme divulgado pelo próprio Threat Analysis Group (TAG) do Google. Esses perfis promoviam narrativas manipuladas e ofensivas em diferentes idiomas, visando desestabilizar democracias ocidentais e influenciar eleições. Aplaudido por Washington, o movimento foi tratado como uma vitória da “democracia digital”.

Entretanto, quando o Supremo Tribunal Federal do Brasil age para impedir a proliferação de mentiras, discursos de ódio e ataques à ordem democrática local — inclusive em parceria com plataformas como o Telegram e o próprio Google — a reação do governo Trump é de agressiva reprovação. Altos funcionários da Casa Branca chegaram a denunciar o STF por “censura”, ignorando completamente as ameaças reais à segurança pública e ao processo eleitoral brasileiro.

É emblemático que essas mesmas empresas, que removem conteúdos considerados nocivos por diretrizes americanas, se recusem a cumprir determinações judiciais de países soberanos, alegando “liberdade de expressão”. Mais grave ainda é o apoio institucional do governo Trump a esse comportamento, como se a proteção da democracia só fosse válida quando os interesses dos EUA estão em jogo.

O que se vê, portanto, é um colonialismo digital travestido de defesa da liberdade. As regras do jogo são moldadas de acordo com quem está no tabuleiro: os EUA podem determinar o que é propaganda, o que é fake news, o que deve ser removido — mas se outro país tenta fazer o mesmo, a resposta é intervenção, ameaça diplomática e desqualificação das instituições locais.

A contradição também expõe a hipocrisia da retórica trumpista. Trump, que já criticou duramente o papel das Big Techs na sua própria campanha e no cerco a discursos da extrema-direita americana, agora parece ser conivente com o poder quase soberano que essas empresas exercem fora dos Estados Unidos, desde que sirvam aos interesses de Washington.

No caso do Brasil, a resistência das plataformas — muitas vezes reforçada pelo lobby internacional — se soma a um ataque direto à soberania nacional. O STF, ao impor sanções e exigir a retirada de conteúdos ilegais, atua dentro dos marcos legais do Estado democrático de direito. Diferente do que insinua o discurso externo, não se trata de censura, mas de regulação mínima para evitar o caos informativo que já ceifou vidas, alimentou golpes e destruiu reputações.

Se o governo Trump realmente defende a liberdade, deveria começar por respeitar a autonomia de outros países para legislar sobre sua própria segurança digital. Caso contrário, ficará cada vez mais claro que, por trás do discurso da liberdade de expressão, esconde-se uma estratégia velada de domínio geopolítico através do controle da informação.

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