
A brasileira Letícia Carvalho, secretária-geral da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), está na linha de frente dessa discussão complexa.
A exploração de minerais de terras raras no fundo dos oceanos está no centro de uma disputa global que envolve nações, corporações e organizações ambientais. Enquanto países buscam alternativas para atender à crescente demanda por metais essenciais para tecnologias verdes, cientistas alertam para os riscos desconhecidos dessa atividade nos ecossistemas marinhos mais profundos do planeta.
A brasileira Letícia Carvalho, oceanógrafa e diplomata eleita em agosto de 2024 como primeira secretária-geral da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), está na linha de frente dessa discussão complexa. Ela assume o cargo em janeiro de 2025, tornando-se a primeira mulher, primeira oceanógrafa e primeira representante da América Latina a ocupar essa posição.

O Tesouro Escondido nas Profundezas
O fundo do oceano abriga uma verdadeira reserva de minerais estratégicos. Cobalto, cobre, ouro, lantânio, neodímio, níquel, prata, ítrio e zinco são apenas alguns dos elementos encontrados nas profundezas marinhas. Esses materiais são fundamentais para a produção de baterias de lítio, painéis solares, telefones celulares e computadores – tecnologias essenciais para a transição energética global.
A ISA, organização vinculada à ONU que completa 30 anos em 2024, administra os recursos minerais do fundo do mar em águas internacionais. Segundo dados da organização, até 2024, foram emitidos 31 contratos de exploração mineral para 21 empresas de 20 países.
O interesse crescente não é por acaso. A demanda por minerais de terras raras disparou com o avanço das tecnologias verdes e a digitalização da economia. Contudo, a exploração terrestre desses materiais enfrenta limitações ambientais e geopolíticas, direcionando olhares para o oceano.
Regulamentação em Construção
Atualmente, a mineração comercial em águas internacionais ainda não começou, aguardando a finalização de um código internacional pela ISA. O prazo para conclusão das regras foi adiado da 28ª sessão, em 2023, para a 30ª sessão, em 2025, com previsão de finalização até julho de 2024.
Durante sua candidatura, Letícia Carvalho defendeu que não devem ser concedidas licenças de exploração comercial enquanto não tivermos um Código Mineiro pronto. A posição da nova secretária-geral reflete a cautela necessária diante dos desafios técnicos e ambientais envolvidos.
“O fundo do mar não pertence a nenhum país ou corporação”, afirma Carvalho, enfatizando que esse patrimônio é “herança comum da humanidade”. A posição contrasta com iniciativas unilaterais, como a dos Estados Unidos, que não são membros da ISA mas aprovaram medidas próprias para licenciamento em águas internacionais.
Desafios Técnicos e Ambientais
A mineração em águas profundas enfrenta obstáculos significativos. Os altos custos operacionais, a complexidade técnica das operações em profundidades extremas e as incertezas sobre impactos ambientais são questões centrais no debate.
O processo utiliza grandes máquinas aquáticas que operam no fundo do oceano, cavando, dragando e coletando metais com tubos de sucção gigantes que percorrem o leito marinho. Os efeitos dessa atividade nos ecossistemas de águas profundas, muitos ainda pouco conhecidos pela ciência, geram preocupação na comunidade científica.
Para abordar essas questões, a ISA lançou em junho de 2024 seu Biobanco de Águas Profundas, uma iniciativa para preservar amostras biológicas e dados genéticos coletados nos fundos marinhos. O objetivo é estudar a biodiversidade desses ambientes e desenvolver conhecimento científico que oriente as decisões regulatórias.
Pressão por Resultados
Apesar das cautelas, a pressão por resultados é intensa. Algumas empresas, como a TMC, afirmam que pretendem iniciar a exploração já no próximo ano, alegando respaldo jurídico, mesmo sem a conclusão do código internacional.
Durante encontros recentes, a mineração quase foi liberada pelo fim do prazo de dois anos para que a ISA avaliasse um pedido de Nauru, atendendo a uma mineradora canadense. O episódio ilustra a tensão entre a urgência comercial e a necessidade de regulamentação adequada.
Posições Divergentes
O debate divide opiniões. Enquanto defensores argumentam que a mineração marinha pode ser menos impactante que a exploração terrestre, organizações ambientais manifestam preocupação. A pressão do setor é enorme, embora a atividade ainda não seja autorizada em águas internacionais, segundo o Greenpeace.
Alguns países já tomaram posições claras. Os Açores aprovaram uma lei que proíbe a mineração do mar profundo até 2050, sinalizando a preocupação com os impactos ambientais da atividade.
O Caminho à Frente
A ISA possui um banco de dados robusto para orientar decisões. O DeepData, lançado em 2019, contém mais de 10 terabytes de informações ambientais sobre águas profundas – equivalente a 6,9 milhões de uploads no Instagram. Em 2022, registrou 2,4 milhões de acessos e mais de 160 citações em publicações científicas.
António Guterres, secretário-geral da ONU, reforça que o fundo marinho internacional é “patrimônio comum da humanidade” e defende que “devemos unir nossos esforços globais em ação climática, preservação da biodiversidade e proteção marinha”.
Para Letícia Carvalho, o futuro exige equilíbrio: “O futuro que vejo é que precisamos realmente cuidar, valorizar e nutrir o fundo do mar”. Sob sua liderança, a ISA deverá navegar entre a pressão econômica por recursos minerais e a necessidade de proteger um dos últimos ecossistemas praticamente intocados do planeta.
A decisão sobre como proceder com a mineração em águas profundas definirá não apenas o futuro dos oceanos, mas também o modelo de governança global para recursos compartilhados. Com 170 países membros da ISA, o desafio é construir consenso em torno de regras que equilibrem desenvolvimento sustentável e preservação ambiental.