 
Mais de 120 mortos em áreas carentes da cidade são usados politicamente de forma covarde por políticos de direita. Governador que deveria cuidar da segurança, falha e culpa terceiros.
Os mais de 60 corpos de pessoas assassinadas, colocados lado a lado, na Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro, mostram a falência e o erro da ação policial realizada pelo governo de Claudio Castro (PL). Somados aos contados no dia anterior, os mortos passam de 120. O que o governador esperava como resultado ao colocar mais de dois mil policiais, fortemente armados, durante a madrugada em uma das áreas carentes mais densamente povoadas na cidade do Rio de Janeiro? Ele, certamente, sabia o resultado. E aconteceu exatamente como planejado: o caos, o desespero, grande número de mortos e uma cidade refém da politicagem.
Qual a imagem que o mundo tem do Rio de Janeiro e do Brasil na manhã desta quarta-feira (29)? De uma cidade e um país em guerra contra o tráfico de drogas. Marketeiramente chamados narco-terroristas pelo governador Castro, bem ao gosto do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. É sintomático que essa operação, que segundo especialistas em segurança pública foi mal planejada e executada, tipo a toque de caixa, tenha acontecido após o senador Flávio Bolsonaro sugerir que o governo americano bombardeie “barcos na baía de Guanabara” para combater o narco-terrorismo, assim como tem feito no mar do Caribe e no Pacífico.
É sintomático também que vários políticos de direita tenham postado mensagens contra o governo federal sob a alegação de que Lula abandonou o Rio de Janeiro, ecoando palavras do governador Claudio Castro. Além disso, governadores de direita entraram em campo oferecendo policiais de seus estados para ir ao Rio combater o crime ao lado das polícias fluminenses, uma vez que, segundo eles, o governo federal não ajuda o Rio de Janeiro.
Ou seja, nesse momento, não se discute mais a segurança pública, porque essa nunca foi a intenção da operação no Rio, mas as eleições de 2026.
Esses mesmos governadores e políticos de direita são os que impedem a Proposta de Emenda Constitucional para organizar a Segurança Pública no Brasil, proposta pelo Ministério da Justiça. Esses governadores, como Ronaldo Caiado (Goiás), Tarcisio de Freitas (São Paulo) Ratinho Junior (Paraná), Romeu Zema (Minas Gerais), entre outros, dizem que a PEC diminui o poder deles sobre as polícias. Claudio Castro mostrou muito bem nessa operação de ontem como usar politicamente a segurança pública para gerar notícia negativa, discurso para a direita e pressionar o governo federal. Os mortos? As famílias? A cidade? O Estado? O País? que se danem, o importante é manter o poder.
O fato
A madrugada entre 28 e 29 de outubro de 2025 ficará marcada na história do Rio de Janeiro. Uma megaoperação nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte, deixou dezenas de mortos e instaurou um clima de terror entre moradores. A ação, anunciada como a maior já realizada contra o Comando Vermelho, rapidamente se tornou símbolo de uma política de segurança que privilegia o confronto armado e o espetáculo — e que coloca a população mais vulnerável no centro do fogo cruzado.
Enquanto o governo divulgou oficialmente pouco mais de 60 mortos e mais de 80 presos, moradores recolheram corpos por conta própria e colocados em uma praça da região em busca de familiares desaparecidos. A cena, que deveria envolver perícia, socorro e presença de autoridades, foi conduzida por civis. Nesse gesto desesperado, revela-se a ausência completa do Estado onde ele mais deveria estar.
Quando o Estado se ausenta, o caos ocupa o espaço
Esse contraste — entre números oficiais e relatos da população — abre duas questões urgentes:
- A transparência dos dados: há suspeita de subnotificação ou falta de clareza no balanço oficial.
- O colapso institucional: moradores assumiram tarefas que competem ao Estado, como recolhimento de corpos e procura de desaparecidos.
O episódio não expõe apenas violência policial. Expõe também abandono, negligência e uma profunda ruptura entre governo e sociedade civil nos territórios periféricos.
A população pobre no papel de alvo e espetáculo
As comunidades atingidas são marcadas por vulnerabilidade social, moradias densas e histórico de violações. Nessas regiões, o Estado costuma chegar em duas formas: com omissão ou com violência. Não chega com saneamento, educação, emprego, cultura — mas chega com caveirão, helicóptero blindado e fuzil.
Ao transformar essas áreas em arenas de confronto, o governo reforça uma narrativa de “guerra” que serve mais à visibilidade política do que ao combate real ao crime. A operação ganhou manchetes, discursos oficiais e retórica de “retomada do território”. Mas o que ficou para os moradores foi medo, luto e silêncio.
Violência como política de imagem
A operação não pode ser analisada isoladamente. Ela se insere em um contexto mais amplo:
- Um governo pressionado por crises internas e baixa aprovação.
- Demanda por demonstrações públicas de força.
- Eventos internacionais previstos na capital, exigindo narrativa de “controle”.
A hipótese que surge, e que precisa ser investigada, é a de uma crise fabricada: uma ação de grande impacto para construir simbolicamente a imagem de autoridade, ordem e eficiência. Nessa lógica, a vida da população pobre se torna moeda política.
Por que essa estratégia falha
Sem ações de longo prazo — como educação, urbanização, cultura, emprego e cuidado social — o resultado é sempre o mesmo: troca-se o líder do crime, mas a estrutura permanece. O Estado entra, mata, sai. E quem fica para enterrar os corpos é o morador.
Enquanto isso:
- O crime organizado se reorganiza.
- O Estado perde confiança.
- As comunidades vivem sob trauma permanente.
ou o Rio reformula sua política de segurança, ou continuará enterrando seu futuro
A megaoperação revelou que o modelo vigente não reduz o crime: produz luto.
Se o governo insistir em políticas de confronto, a tendência é de:
- Mais mortes.
- Mais medo.
- Mais distanciamento entre população e Estado.
- Menos legitimidade institucional.
O Rio não precisa de operações-espetáculo. Precisa de políticas públicas sólidas, reconstrução de vínculos comunitários, transparência e proteção à vida.
Sem isso, a conta dessa guerra — fabricada ou não — continuará sendo paga por quem já paga tudo: a população pobre das favelas.
 
