
A andropausa, ou Deficiência Androgênica do Envelhecimento Masculino (DAEM), representa um complexo desafio para a saúde masculina global, afetando milhões de homens com o avanço da idade. Caracterizada pela diminuição progressiva dos níveis de testosterona, essa condição transcende os sintomas iniciais, impactando significativamente a qualidade de vida, a saúde metabólica e o bem-estar psicossocial. Pesquisas recentes e diretrizes de sociedades médicas internacionais lançam luz sobre a prevalência, os múltiplos efeitos e as abordagens terapêuticas mais eficazes para gerenciar a DAEM.
A Dimensão Global da Andropausa
A partir dos 40 anos, a testosterona nos homens começa a decrescer a uma taxa média de 1,2% ao ano. No entanto, a incidência do hipogonadismo relacionado à idade – a forma mais comum da DAEM – varia consideravelmente. Enquanto a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) indica que grande parte dos homens desconhece a condição, dados da Sociedade Internacional de Andrologia (ISA) e da Associação Americana de Urologia (AUA) sugerem que até 20-30% dos homens acima de 50 anos podem apresentar níveis clinicamente baixos de testosterona, elevando-se para 50% em homens com 80 anos ou mais. Essa lacuna de conhecimento e diagnóstico é um obstáculo global para o tratamento precoce.
Sintomas: Além do Objeto de Desejo
Os sintomas da andropausa são multifacetados e frequentemente subestimados, muitas vezes confundidos com o processo natural de envelhecimento ou estresse. O Dr. Renato Fidelis, urologista do CEJAM, destaca a inespecificidade desses sinais como um dos principais desafios para o diagnóstico.
A queda da testosterona afeta:
- Função Sexual: Diminuição da libido, ereções menos satisfatórias e redução das ereções matinais são as queixas mais comuns. Contudo, portais como a Mayo Clinic enfatizam que a testosterona baixa nem sempre é a única causa de disfunção erétil, que pode ter origens vasculares, neurológicas ou psicogênicas.
- Composição Corporal: Perda de massa muscular (sarcopenia), aumento da gordura abdominal e diminuição da densidade óssea são observados. A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) alerta que a sarcopenia associada à baixa testosterona eleva o risco de quedas e fraturas em idosos.
- Saúde Metabólica: A relação entre baixa testosterona e síndrome metabólica é cada vez mais clara. Estudos publicados no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism indicam que homens com hipogonadismo têm maior risco de desenvolver resistência à insulina, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. A gordura abdominal, em particular, contribui para a aromatização da testosterona em estrogênio, criando um ciclo vicioso.
- Bem-Estar Psicológico: Alterações de humor, irritabilidade, fadiga, dificuldade de concentração, depressão e ansiedade são sintomas neuropsíquicos comuns. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a importância de abordar esses aspectos em conjunto com a saúde física, ressaltando que a baixa testosterona pode exacerbar condições preexistentes ou ser um fator contribuinte.
Diagnóstico e Abordagens Terapêuticas
O diagnóstico da andropausa é primordialmente laboratorial, com a dosagem da testosterona total e livre no sangue. A Sociedade Europeia de Urologia (EAU) sugere que a coleta seja feita pela manhã, quando os níveis hormonais são mais altos. Níveis abaixo de 300 ng/dL são frequentemente indicativos de hipogonadismo. No entanto, a avaliação clínica completa é indispensável para descartar outras condições que possam mimetizar os sintomas ou afetar os níveis hormonais, como adenomas hipofisários, hipotireoidismo ou uso de certos medicamentos.
A reposição de testosterona (TRT) é o tratamento mais eficaz para o hipogonadismo sintomático, mas não é universal. “Há contraindicações importantes”, reforça o Dr. Fidelis, citando histórico de trombose, câncer de próstata ativo e desejo de ter filhos. As diretrizes da AUA e EAU recomendam uma triagem rigorosa antes da TRT, incluindo exames de próstata (PSA e toque retal) para rastrear câncer, pois a testosterona pode acelerar o crescimento de tumores existentes. Além disso, o monitoramento contínuo dos pacientes em TRT é crucial para gerenciar potenciais efeitos adversos, como policitemia (aumento de glóbulos vermelhos), apneia do sono e impactos no perfil lipídico.
O uso indiscriminado ou sem orientação médica da testosterona, seja por via injetável, tópica ou manipulada, é uma prática perigosa que pode levar a:
- Supressão da produção natural de testosterona.
- Infertilidade.
- Risco aumentado de eventos cardiovasculares.
- Agravamento de doenças preexistentes.
Estratégias para Manutenção da Saúde Masculina
Embora a TRT seja uma ferramenta valiosa, uma abordagem multidisciplinar e preventiva é fundamental para a saúde masculina ao longo do envelhecimento.
- Estilo de Vida: A alimentação desempenha um papel crucial. Alimentos ricos em zinco (carnes vermelhas, ostras), vitamina D (peixes gordos, ovos) e gorduras saudáveis (abacate, nozes) são associados à manutenção da testosterona. Em contrapartida, o consumo excessivo de açúcar, álcool, ultraprocessados e dietas restritivas pode impactar negativamente a produção hormonal, como apontado por diversos estudos em nutrição. A atividade física regular, especialmente o treinamento de força, comprovadamente eleva os níveis de testosterona e melhora a composição corporal.
- Saúde Mental: A psicoterapia e o manejo do estresse são vitais. A relação bidirecional entre baixa testosterona e saúde mental sugere que tratar uma condição pode aliviar a outra.
- Medicamentos Coadjuvantes: Para a disfunção erétil, medicamentos como os inibidores da 5-fosfodiesterase podem complementar o tratamento hormonal, melhorando o desempenho sexual.
“Ao contrário do que muitos pensam, a andropausa não é um destino certo para todos os homens. Estima-se que apenas 10% da população masculina seja afetada pelo hipogonadismo relacionado à idade. O grande desafio está em diferenciar os sintomas naturais do envelhecimento, das alterações hormonais que merecem tratamento. E, nesse ponto, a informação é a melhor aliada”, finaliza.
A informação de qualidade e o acesso a profissionais de saúde são as chaves para um envelhecimento masculino mais saudável e com maior qualidade de vida.