A Doutrina Trump na América Latina: Neocolonialismo ou Geopolítica de Segurança?

Como um elefante numa loja de cristais, Trump vai destruindo a lógica global

As recentes ações e declarações do governo Trump em relação à América Latina reacendem um debate histórico e profundamente enraizado nas relações interamericanas: estaria Washington, mais uma vez, ressuscitando a doutrina do “quintal” e tratando a região como sua esfera de influência exclusiva?

A percepção de um ataque renovado à soberania de países sul-americanos, mascarado sob a bandeira da “guerra às drogas”, somada à defesa de figuras políticas de extrema-direita, como Jair Bolsonaro, sugere uma estratégia que remete ao neocolonialismo, mas que também pode ser interpretada sob a ótica da geopolítica de segurança e do realinhamento ideológico global.

Guerra às Drogas: Pretexto para Intervenção

Historicamente, a chamada “guerra às drogas” tem sido usada como um cavalo de Tróia para a intervenção dos EUA na América Latina. Sob o pretexto de combater o narcotráfico, Washington justifica presença militar, apoio a regimes alinhados e pressão sobre governos considerados hostis aos seus interesses.

O uso dessa estratégia para atacar países sul-americanos não é novidade, mas ganha contornos preocupantes quando combinado à interferência em assuntos judiciais internos. A defesa de Bolsonaro, condenado por tentativa de golpe no Brasil, e a qualificação dessas condenações como “perseguição política” por membros do governo Trump e aliados, indicam não apenas uma preferência ideológica por governos de direita e extrema-direita, mas também uma disposição de intervir na governança democrática de nações soberanas.

Ao questionar a legitimidade de sentenças judiciais, os EUA parecem minar a autonomia das instituições latino-americanas, sugerindo que a democracia só é “aceitável” quando produz resultados favoráveis aos seus interesses.

Militarização e Pressão sobre a Venezuela e Colômbia

As recentes ações militares na região reforçam essa percepção. O envio de tropas para as fronteiras marítimas da Venezuela, sob a justificativa de combate ao narcotráfico, é mais do que uma operação de segurança: trata-se de uma demonstração de força contra um regime considerado hostil. Ataques a embarcações civis venezuelanas sob alegações de tráfico elevam o risco de escaladas e violam o direito internacional de navegação.

Outro ponto alarmante é a designação da Colômbia como país que “não coopera na guerra às drogas”. Historicamente aliada dos EUA, a Colômbia agora é alvo de pressão política para alinhar suas políticas às prioridades de Washington. Essa medida serve também como aviso a outros países que busquem maior autonomia em suas decisões domésticas.

Retorno às Políticas Intervencionistas

Essas estratégias lembram a Doutrina Monroe e outras políticas intervencionistas do século XX, que trataram a América Latina como um “quintal” dos EUA. Golpes militares apoiados por Washington e imposições econômicas favoráveis aos interesses americanos deixaram cicatrizes profundas na memória da região.

No entanto, o cenário contemporâneo exige análise além da nostalgia histórica. A ascensão da China e o crescente engajamento da Rússia na região, combinados à busca de maior autonomia de vários países latino-americanos, criam um tabuleiro geopolítico complexo. A postura de Trump pode ser interpretada como uma tentativa de reafirmar a hegemonia americana e conter influências rivais.

Alinhamento Ideológico e “Internacional Conservadora”

A polarização global e o fortalecimento de movimentos populistas e de extrema-direita encontram eco na América Latina. O alinhamento de Trump com Bolsonaro e líderes similares integra uma estratégia de consolidação de uma “internacional conservadora”, com valores e agendas ideológicas compartilhadas. Nesse contexto, narrativas como “guerra às drogas” e “defesa da democracia” tornam-se instrumentos maleáveis para fins políticos.

Impactos e Perspectivas

Para a América Latina, essa abordagem representa um desafio à soberania, à autodeterminação e à estabilidade política. Países que buscam diversificar parcerias e consolidar democracias enfrentam agora uma pressão renovada de uma potência disposta a impor sua vontade.

Para os EUA, a estratégia pode gerar custos políticos e diplomáticos, alienando aliados e fortalecendo o sentimento anti-americano, o que, a longo prazo, pode ser contraproducente para seus próprios interesses.

Em suma, as ações recentes de Washington, da militarização das fronteiras venezuelanas à pressão sobre a Colômbia e os ataques ao Judiciário brasileiro sugerem um retorno às políticas intervencionistas clássicas. Resta à América Latina decidir se aceitará passivamente esse papel ou se buscará caminhos próprios para seu desenvolvimento e inserção no cenário global. A história, como sempre, aguarda seu próximo capítulo.