Imagine o volume de água necessário para encher 6 mil piscinas olímpicas — e agora imagine esse volume sendo escoado pelo ralo todos os dias, antes mesmo de chegar à torneira de alguém. Esse é o alerta alarmante do mais recente levantamento nacional sobre saneamento. A cada 24 horas, o país perde água potável suficiente para abastecer milhões de pessoas. A tragédia é silenciosa: o desperdício drena recursos naturais, dinheiro público e a dignidade de quem ainda não tem acesso à água. E, mesmo assim, o ritmo das perdas não dá sinais de desacelerar.
Escala do desperdício
Segundo o estudo, o Brasil perde cerca de 5,8 bilhões de metros cúbicos de água tratada por ano, o equivalente a mais de 6 mil piscinas olímpicas desperdiçadas diariamente.
Esse volume seria suficiente para abastecer aproximadamente 50 milhões de brasileiros — quase a população de um país de porte médio.
Em termos proporcionais, as perdas chegam a 40% de toda a água produzida, muito acima das metas recomendadas por órgãos reguladores e especialistas internacionais.
Onde o desperdício é pior
Regiões historicamente marcadas pela vulnerabilidade estrutural lideram os índices de perda: Norte e Nordeste apresentam desperdícios superiores a 45%.
Há estados onde o volume desperdiçado ultrapassa 60%, revelando uma infraestrutura frágil, redes antigas e baixa capacidade de manutenção.
Em contraste, unidades federativas com maior investimento em saneamento apresentam índices menores — embora ainda distantes do ideal.
Causas do problema
As perdas envolvem dois grandes tipos:
- Perdas físicas, causadas por vazamentos e falhas na tubulação;
- Perdas comerciais, que incluem fraudes, furtos de água e medições incorretas.
Só os vazamentos representam mais de 3 bilhões de metros cúbicos desperdiçados por ano — água que poderia abastecer milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Além disso, o desperdício gera custos extras para as companhias de saneamento, que precisam captar, tratar e bombear mais água para compensar o que não chega ao consumidor.
Consequências sociais, ambientais e econômicas
- Desigualdade no acesso: enquanto milhões de brasileiros não têm água na torneira, um volume gigantesco se perde antes de chegar às casas.
- Pressão sobre rios e mananciais: quanto mais desperdício, mais captação é necessária — o que agrava a degradação ambiental.
- Impacto financeiro: com a redução das perdas para níveis recomendados internacionalmente, o país poderia economizar bilhões de reais em poucos anos.
- Risco de racionamentos: mesmo regiões ricas em recursos hídricos podem sofrer escassez se a infraestrutura continuar defasada.
Falta de infraestrutura e ausência de prioridade histórica
O Brasil está entre os países com maior disponibilidade de água no mundo, mas falha em distribuí-la com eficiência. A rede de saneamento é marcada por décadas de subfinanciamento, falta de manutenção, envelhecimento estrutural e obras interrompidas.
Levantamentos recentes mostram que, nas 100 maiores cidades do país, as perdas médias superam 45% — um salto expressivo em relação a anos anteriores. Apenas uma pequena parcela dos municípios alcança o nível de excelência recomendado por organismos internacionais.
Saneamento como estratégia de adaptação climática
Com secas mais frequentes, eventos extremos e pressão crescente sobre os mananciais, reduzir o desperdício de água tratada tornou-se uma medida estratégica de adaptação climática.
Cada metro cúbico perdido significa mais pressão sobre a natureza, mais energia gasta, mais recursos públicos utilizados e mais famílias sem abastecimento seguro.
O que poderia mudar — e por que ainda não virou realidade
Existem exemplos bem-sucedidos: cidades que modernizaram a rede, substituíram tubulações antigas e instalaram sistemas inteligentes de detecção de vazamentos conseguiram reduzir drasticamente as perdas.
Mas, em escala nacional, ainda faltam investimentos consistentes, governança clara, fiscalização eficiente e prioridade política. A universalização do saneamento avança lentamente, apesar de diversos programas federais e estaduais.
Para reverter o quadro, especialistas defendem:
- modernização das redes,
- combate intensivo aos vazamentos,
- medição eficiente e digitalizada,
- redução de fraudes,
- expansão da fiscalização.
Trata-se de uma missão urgente que exige recursos, planejamento e compromisso público.
Desperdício monumental
Todos os dias, o Brasil desperdiça água potável suficiente para abastecer dezenas de milhões de pessoas. O problema não é apenas técnico — é social, econômico e humano. Representa décadas de negligência, priorização insuficiente e falta de visão estratégica.
Corrigir esse desperdício monumental não é apenas uma necessidade ambiental: é uma questão de justiça, de equidade e de futuro.
