A FIFA acordou um dia desses com vontade de salvar o mundo. E anunciou, pomposa, a criação de um “Prêmio da Paz”. Um nome grande, importante, cheio de ecos históricos, quase sagrados. A paz — essa palavra que carrega promessas, despedidas, bandeiras brancas, troféus invisíveis e discursos de final de jogo. É bonito, claro. Mas também levanta aquela sobrancelha que o torcedor já treinou bem, depois de tantas Copas, tantos dirigentes, tantas decisões “em nome do bem”.
O prêmio será entregue durante o sorteio da Copa do Mundo de 2026, tecido sobre o tapete vermelho dos anfitriões norte-americanos. Washington será o palco. Não deixa de ser irônico: ali, onde o futebol não é rei, a bola vai coroar… a paz. Ou melhor: a ideia da paz — que no futebol sempre aparece depois das expulsões, das confusões e do apito final.
A narrativa oficial é linda: reconhecer pessoas que “unem o mundo”. E, convenhamos, o futebol realmente tem esse poder. Uma bola quica no chão de qualquer vila do planeta e, de repente, duas pessoas que não falam a mesma língua começam a se entender. O futebol é essa ponte improvável que atravessa desertos, guerras e becos.

Mas aí chegam as perguntas que ninguém gosta de colocar na mesa do jantar.
Por que agora?
Por que neste palco?
Por que este ano, esta cidade, este contexto?
Há quem sussurre que a resposta tem nome, endereço e um boné vermelho escrito “Make America Great Again”. Que o prêmio pode ser, no mínimo, um afago simbólico, um presente diplomático, uma cortesia política de camarim. Não é segredo que, nos últimos anos, laços se estreitaram entre cartolas globais do futebol e líderes americanos. Afeto declarado, fotos sorridentes, discursos calorosos — desses que ecoam mais do que deveriam.
É claro: ninguém vai admitir isso em público. E talvez nem seja exatamente isso. Talvez seja só coincidência — como tantas coincidências que acontecem quando interesses se encontram no centro do gramado.
Mas existe um detalhe difícil de ignorar: o Nobel da Paz — o original, o de verdade — foi criado para premiar quem lutou para que o mundo fosse mais habitável, menos violento, menos armado. Ele carrega cicatrizes, negociações de fim de guerra, tratados, corredores políticos tensos. É um prêmio que dói e custa.
A versão da FIFA nasce com outra textura: é suave, brilhante, institucional. Parece mais um anúncio publicitário do que uma cicatriz curada.
Talvez a FIFA realmente queira fazer o mundo um lugar melhor. Talvez esse prêmio seja um convite honesto para que o futebol continue sendo essa língua universal que abraça quem a violência expulsa. Talvez seja um aceno generoso aos povos que insistem em se dividir.
Ou talvez seja apenas mais uma jogada — e, como todo torcedor sabe, certas jogadas só revelam sua intenção no replay em câmera lenta.
No fim, resta esperar o dia da cerimônia. O palco estará iluminado. As bandeiras tremularão em ordem perfeita. As câmeras brilharão. E quando o nome do primeiro vencedor ecoar pelo auditório, será ali, naquele segundo, que todos nós saberemos se a bola rolou pela paz — ou pela política.
A diferença, às vezes, é só o lado do campo para o qual se chuta.
