Bactérias de 40 mil anos “acordam” no Ártico — e podem acelerar o aquecimento global

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Imagine micróbios enterrados desde a Era do Gelo voltando à vida sob nossos pés. Eles não são ficção científica — são reais, estão ativos e representam um risco silencioso ao clima do planeta. Cientistas acabam de comprovar que bactérias congeladas há até 40 mil anos no permafrost do Alasca não apenas sobreviveram, como retomaram funções biológicas essenciais. Embora não pareçam ameaçar diretamente a saúde humana, sua reativação pode liberar toneladas de gases de efeito estufa. E, com os verões árticos cada vez mais longos, esse processo pode se tornar irreversível.

Em um túnel subterrâneo a mais de 100 metros de profundidade no Alasca, pesquisadores da Universidade do Colorado em Boulder fizeram uma descoberta que ecoa preocupações globais: microrganismos pré-históricos, congelados desde a última Era Glacial, ainda estão vivos. Publicado em 23 de setembro no periódico JGR Biosciences, o estudo liderado por Tristan Caro — hoje pesquisador do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) — revela que, mesmo após dezenas de milênios em estado de suspensão, essas bactérias conseguem se reativar quando expostas a temperaturas típicas dos verões árticos atuais.

O local da pesquisa foi o Túnel do Permafrost, mantido pelo Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos próximo a Fairbanks. Lá, entre ossos de mamutes e bisões pré-históricos incrustados nas paredes geladas, os cientistas coletaram amostras do solo congelado. “A primeira coisa que você nota ao entrar é o cheiro — como um porão mofado abandonado há décadas”, conta Caro. “Para um microbiologista, isso é empolgante: cheiros fortes costumam vir de atividade microbiana.”

Para simular as condições futuras do Ártico, os pesquisadores adicionaram água enriquecida com deutério — uma forma pesada de hidrogênio — às amostras e as incubaram entre 3,9°C e 12,2°C. Essa faixa de temperatura já é realidade em regiões do Alasca durante o verão e tende a se aprofundar no permafrost com o avanço das mudanças climáticas. O deutério permitiu rastrear com precisão a incorporação de novos elementos nas membranas celulares, confirmando que os micróbios não apenas “sobreviviam”, mas se reproduziam.

Nos primeiros meses, o crescimento foi lento — algumas colônias substituíam apenas uma célula a cada 100 mil por dia. Mas, ao final de seis meses, várias já haviam formado biofilmes visíveis a olho nu: camadas protetoras de açúcares e proteínas que indicam comunidades microbianas plenamente funcionais. Apesar disso, os cientistas não encontraram evidências de que essas bactérias sejam patogênicas para humanos. Mesmo assim, todas as amostras foram mantidas em câmaras seladas, por precaução.

O verdadeiro perigo não está na infecção, mas no clima.
Quando ativas, essas bactérias consomem matéria orgânica antiga — restos de plantas e animais preservados no gelo — e a transformam em dióxido de carbono e metano, dois dos gases mais potentes do efeito estufa. “Estas não são amostras mortas”, enfatiza Caro. “Elas são capazes de decompor matéria orgânica robusta e liberá-la como CO₂. Um único dia quente não muda muito, mas verões mais longos? Isso sim é crítico.”

Essa descoberta reforça alertas feitos por organizações como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a ONU Meio Ambiente: o degelo do permafrost pode se tornar um “ponto de inflexão” no sistema climático. Estima-se que o permafrost do Hemisfério Norte armazene cerca de 1.500 bilhões de toneladas de carbono — quase o dobro do que circula atualmente na atmosfera. Se mesmo uma fração desse estoque for liberada por micróbios reativados, o aquecimento global poderá acelerar de forma abrupta e difícil de conter.

Relatórios recentes da BBC e da The Guardian já destacaram eventos semelhantes na Sibéria, onde o degelo expôs cadáveres de renas infectados com antraz em 2016, causando surtos locais. Embora os micróbios do Alasca não tenham mostrado potencial patogênico, a incerteza permanece: o permafrost cobre cerca de 25% do Hemisfério Norte, e cada região pode abrigar cepas distintas, com comportamentos imprevisíveis.

“Colhemos amostras de uma pequena fatia do permafrost global”, admite Caro. “Não sabemos como micróbios da Sibéria, do Canadá ou da Groenlândia reagiriam sob as mesmas condições.” Essa lacuna reforça a urgência de monitoramento contínuo e cooperação internacional — algo que a ONU tem incentivado por meio de iniciativas como o Programa de Observação do Ártico.

Enquanto isso, o relógio climático avança. Com os verões árticos se estendendo por semanas a mais a cada década, o risco de liberação em massa de gases de efeito estufa aumenta exponencialmente. E o que estava enterrado há 40 mil anos pode, ironicamente, definir o futuro do planeta nas próximas décadas.