
Imagine seu filho não enxergar o quadro na escola, tropeçar durante o recreio ou se isolar por vergonha de não ver o que os colegas veem. A miopia, antes considerada um simples “problema de grau”, tornou-se uma epidemia silenciosa que já atinge metade da humanidade — e está avançando rápido demais. Especialistas alertam: se não for controlada na infância, pode levar não só a dificuldades escolares e sociais, mas também à cegueira na vida adulta. No Dia Mundial da Visão, 9 de outubro, a Organização Mundial da Saúde faz um alerta e classifica a condição como prioridade global em saúde ocular, com projeções alarmantes para 2050. Felizmente, novas tecnologias já oferecem esperança concreta — e comprovada cientificamente.
A miopia, distúrbio visual caracterizado pela dificuldade em enxergar objetos distantes com nitidez, deixou de ser um inconveniente corrigido com óculos comuns. Hoje, é um problema de saúde pública de proporções globais. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2050, cerca de 4,7 bilhões de pessoas — ou metade da população mundial — terão miopia. Pior: 938 milhões desenvolverão alta miopia (igual ou superior a 6 dioptrias), condição associada a complicações graves como descolamento de retina, glaucoma, catarata precoce e até cegueira irreversível.
O Brasil acompanha essa tendência. Dados do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) indicam que a prevalência da miopia entre crianças e adolescentes dobrou na última década, impulsionada por mudanças no estilo de vida: uso excessivo de telas, pouca exposição à luz solar e redução de atividades ao ar livre. “A miopia não é só uma questão de ‘enxergar melhor’. É uma condição que, se não for gerenciada precocemente, compromete o desenvolvimento integral da criança — cognitivo, emocional e social”, afirma a dra. Patrícia Kakizaki, oftalmologista especializada em retina e consultora da ZEISS Vision Brasil.
Um problema que vai além da visão
Estudos publicados no The Lancet Global Health e divulgados pela BBC e pela DW (Deutsche Welle) reforçam que crianças com miopia não corrigida têm desempenho escolar até 30% inferior às que enxergam bem. Elas frequentemente se sentem frustradas, evitam esportes coletivos e desenvolvem baixa autoestima. A ONU News já destacou que a saúde visual é um pilar essencial para o direito à educação de qualidade — e a miopia mal controlada pode minar esse direito silenciosamente.
Além disso, a alta miopia aumenta em até 10 vezes o risco de cegueira legal na idade adulta, segundo a Academia Americana de Oftalmologia (AAO). “O olho miope é mais alongado, o que estica e enfraquece as estruturas internas. É como esticar um elástico além do limite — ele pode romper”, compara a dra. Kakizaki.
Avanços científicos trazem esperança — e opções
Diante do crescimento acelerado da miopia infantil, a comunidade científica e a indústria oftalmológica têm desenvolvido várias estratégias comprovadas para retardar sua progressão — e não apenas uma única solução. Embora lentes oftálmicas de nova geração, como as ZEISS MyoCare (lançadas no Brasil para crianças de 6 a 17 anos), tenham demonstrado eficácia em ensaios clínicos multicêntricos na Ásia e Europa, elas fazem parte de um arsenal terapêutico mais amplo, validado por organizações como a Academia Americana de Oftalmologia (AAO) e o Conselho Internacional de Oftalmologia (ICO).
Uma das abordagens mais estudadas é o uso de colírio de baixa dose de atropina (0,01% a 0,05%). Estudos como o LAMP Trial (Low-concentration Atropine for Myopia Progression), publicado no Ophthalmology e amplamente citado pela BBC e pela CNN Health, mostraram que a atropina em concentrações mínimas reduz a progressão da miopia em até 60%, com poucos efeitos colaterais, como sensibilidade à luz ou dificuldade para focar de perto.
Outra alternativa eficaz são as lentes de contato ortoqueratológicas (ortho-k), usadas durante a noite para remodelar temporariamente a córnea. Segundo revisão da Cochrane Library (2023), esse método pode reduzir a progressão axial do olho em cerca de 0,30 mm por ano — um dado relevante, já que cada 1 mm de alongamento equivale a aproximadamente 2,5 a 3 dioptrias de miopia.
Além disso, outras marcas de lentes oftálmicas com tecnologias semelhantes à C.A.R.E.® também estão disponíveis globalmente. A Essilor Stellest, por exemplo, utiliza a tecnologia H.A.L.T.® (Highly Aspherical Lenslet Target) e, em estudos clínicos na França e na China, demonstrou redução de até 67% na progressão da miopia em dois anos. Já a Hoya MiyoSmart emprega o conceito D.I.M.S. (Defocus Incorporated Multiple Segments) e obteve resultados comparáveis em pesquisas conduzidas em Hong Kong.
“Nenhuma abordagem é perfeita para todos os casos”, explica a dra. Patrícia Kakizaki. “A escolha depende da idade da criança, do grau de miopia, do estilo de vida, da adesão ao tratamento e da avaliação individual feita por um oftalmologista.”
Importante ressaltar: nenhuma dessas intervenções substitui o acompanhamento médico regular. A Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO) e a OMS reforçam que o controle da miopia deve ser personalizado, contínuo e integrado a mudanças comportamentais, como mais tempo ao ar livre e menos exposição prolongada a telas.
Prevenção começa em casa — e na escola
Especialistas da CNN Health e do The Guardian reforçam que, embora a genética tenha peso, o ambiente é determinante. Crianças que passam menos de 2 horas por dia ao ar livre têm risco significativamente maior de desenvolver miopia. A luz natural estimula a liberação de dopamina na retina, substância que inibe o crescimento excessivo do olho.
Por isso, recomenda-se:
- Limitar o uso de telas a no máximo 1 hora por dia para crianças menores de 10 anos;
- Incentivar atividades externas diariamente;
- Fazer exames oftalmológicos anuais a partir dos 3 anos, mesmo sem queixas visuais.
“A miopia muitas vezes passa despercebida porque a criança não sabe que deveria enxergar melhor”, alerta a dra. Kakizaki. “Ela adapta seu comportamento — senta mais perto da TV, franze os olhos, evita ler em voz alta — e os pais acham que é preguiça ou desatenção.”
Um chamado coletivo
A resposta à epidemia da miopia exige ação conjunta: famílias, escolas, sistemas de saúde e governos. A OMS já incluiu o controle da miopia em sua agenda de saúde ocular 2030. No Brasil, campanhas como o Dia Mundial da Visão (10 de outubro) são oportunidades para conscientização — mas o esforço precisa ser contínuo.
Como resumiu um relatório da Al Jazeera sobre saúde infantil na Ásia, onde a miopia atinge até 90% dos jovens em países como Coreia do Sul e Cingapura: “Enxergar bem não é um luxo. É um direito fundamental para aprender, brincar e sonhar.”