
Pesquisa acompanhou 348 jovens por quatro anos em Salvador e comprova que doença provoca dores articulares crônicas na população pediátrica.
Uma pesquisa inédita da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) demonstra que a chikungunya pode causar sequelas duradouras em crianças e adolescentes. O estudo, realizado em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, acompanhou 348 pessoas com idades entre 2 e 17 anos durante quatro anos. Os resultados revelam que 12% dos jovens infectados desenvolveram artralgia crônica, condição caracterizada por dores nas articulações que persistem por meses e impedem a realização de atividades diárias.
O trabalho foi conduzido paralelamente a um ensaio clínico de fase III da vacina Butantan-Dengue. Durante esse período, os pesquisadores monitoraram os participantes por meio de coletas periódicas de sangue e consultas médicas regulares. A pesquisadora Viviane Boaventura, da Fiocruz Bahia, coordenou o projeto que acaba de ser publicado na revista científica PLOS Neglected Tropical Diseases.
Maioria das infecções apresenta sintomas
Entre os 311 jovens que completaram o acompanhamento, 17% testaram positivo para o vírus da chikungunya. Desse total, 25 casos foram confirmados por RT-PCR, técnica que detecta o material genético do vírus, e 28 casos por sorologia. Os dados mostram que apenas 9,4% dos infectados não apresentaram sintomas, o que indica que a maioria das infecções nessa faixa etária é sintomática.
Além disso, a taxa de soroconversão entre os casos positivos foi de 84%. Esse índice mostra que a maior parte dos pacientes desenvolveu anticorpos após a infecção. No entanto, uma parcela significativa não apresentou resposta imunológica detectável, o que levanta questões sobre a proteção de longo prazo.
Transmissão limitada preocupa especialistas
Apesar da ocorrência de surtos locais durante o período do estudo, apenas 20% dos participantes foram expostos ao vírus. Esse número relativamente baixo aponta para a vulnerabilidade da população pediátrica e reforça a necessidade de estratégias de prevenção mais eficazes.
A chikungunya é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo vetor da dengue e da zika. A doença costuma provocar febre alta e dores intensas nas articulações durante a fase aguda da infecção. Enquanto os efeitos em adultos já são bem documentados, pouco se sabia sobre as manifestações clínicas em crianças e adolescentes.
Cenário nacional e vigilância epidemiológica
O Brasil registrou até setembro de 2025 cerca de 121.803 casos de chikungunya, com 113 mortes confirmadas. A situação demonstra que, após uma década da chegada do vírus ao país, a doença continua representando um desafio para a saúde pública. Estados como Mato Grosso enfrentaram surtos graves neste ano, concentrando grande parte das mortes registradas no país.
Os pesquisadores destacam a importância de manter a vigilância epidemiológica ativa e de desenvolver intervenções específicas para proteger crianças e adolescentes contra os efeitos da doença. As amostras coletadas durante o estudo foram testadas para chikungunya, dengue e zika por meio de diferentes métodos laboratoriais, incluindo ensaios de neutralização viral que avaliam a presença e a eficácia dos anticorpos protetores no organismo.
No início do estudo, 23 indivíduos já apresentavam anticorpos IgG protetores contra o vírus da chikungunya, o que indica exposição anterior. Os casos com suspeita de infecção tiveram seus sintomas e sinais registrados por meio de questionário estruturado, permitindo análises detalhadas sobre o impacto da doença nesse grupo etário.