
Elas são uma das maiores vítimas do tráfico de vida silvestre no planeta, mas seu sofrimento ocorre nas sombras. Uma teia criminosa global está drenando rios e oceanos de bilhões de enguias-europeias, uma espécie criticamente ameaçada, para alimentar um mercado de luxo no Oriente. O preço, no entanto, vai muito além do dinheiro: o colapso de ecossistemas inteiros e prejuízos ambientais que chegam a casa dos bilhões de euros. Este comércio ilegal, mais lucrativo que o de marfim, opera na interseção entre a ganância humana e o frágil equilíbrio da natureza. Agora, uma investigação global começa a expor a escala alarmante desse crime.
O ouro prateado e a rota do crime
A enguia-europeia (Anguilla anguilla) inicia sua vida nos oceanos e migra para os rios, onde cresce por anos antes de uma viagem épica de volta ao mar para se reproduz. São essas enguias juvenis, conhecidas como “meixão” ou “angulas” na culinária, que se tornaram um produto de luxo na Ásia, particularmente na China e no Japão. Seu valor astronômico – um quilograma pode ultrapassar os 5.000 euros no mercado negro – as tornou alvo de uma rede criminosa sofisticada.
Conforme reportado pelo Um Só Planeta, a investigação “Operation Lake” desmantelou uma organização dedicada ao tráfico desses animais, revelando um prejuízo ambiental estimado em 3,75 mil milhões de euros. Este valor, calculado com base em metodologias da UE, traduz o custo de repor os serviços ecossistêmicos que essas enguias proporcionariam, como a limpeza de águas e a manutenção de cadeias alimentares aquáticas.
A engrenagem do tráfico: da Europa para a Ásia
O modus operandi segue uma rota bem definida. Os traficantes atuam principalmente em países do sul da Europa, como Portugal, Espanha e França, onde as populações remanescentes de enguias são capturadas ilegalmente. Os animais são, então, contrabandeados para a Ásia, frequentemente rotulados como outros produtos, como polvo ou peixes menos valiosos, para escapar à vigilância aduaneira.
A Agência de Investigação Ambiental (EIA), uma organização não-governamental com sede em Londres, tem documentado extensivamente esse fluxo. De acordo com a EIA, o tráfico de enguias é “uma das maiores operações de contrabando de vida selvagem do mundo”, com dezenas de toneladas sendo ilegalmente retiradas da Europa todos os anos. A União Europeia proibiu totalmente a exportação de enguias-europeias desde 2010, mas a aplicação da lei é um desafio colossal.
Impactos em cadeia: do ecossistema à economia
O sumiço em massa das enguias desencadeia um efeito dominó catastrófico. Esses animais são engenheiros de ecossistemas. Como predadores e presas, sua ausência desregula toda a teia alimentar aquática. Além disso, sua migração é crucial para o transporte de nutrientes entre ecossistemas marinhos e de água doce.
O prejuízo económico vai além da perda da biodiversidade. A pesca legal de outras espécies é afetada, o turismo associado a rios saudáveis sofre, e os custos para tentar recuperar as populações – através de estações de aquicultura e repovoamento – são exorbitantes. É um crime cujas verdadeiras consequências são sentidas por toda a sociedade, não apenas no ambiente.
O combate internacional e a esperança
Apesar da dimensão do problema, há esforços concertados para combatê-lo. Operações policiais transfronteiriças, como a coordenada pela Europol, têm levado a apreensões recordes e à prisão de traficantes. Aumentar a consciencialização nos países consumidores é outro pilar crucial, pressionando por uma mudança de hábitos e por uma maior responsabilização.
Organizações como a ONU alertam que o tráfico de vida selvagem é um crime grave que mina o desenvolvimento sustentável e a segurança. A sobrevivência da enguia-europeia depende de uma vigilância contínua, de penas mais severas para os traficantes e de uma cooperação internacional sem falhas. O tempo para salvar esta espécie enigmática está a esgotar-se, e cada enguia traficada é um passo mais perto do abismo ecológico.