Minas, que já foi berço de estadistas, hoje parece se reduzir ao barulho vazio das redes sociais e à glamourização da ignorância.
Minas Gerais sempre teve um jeito particular de fazer política. Não é só a geografia sinuosa das montanhas que molda o estilo mineiro, mas também a tradição de ouvir mais do que falar, desconfiar do óbvio e cultivar a arte do acordo silencioso. De Tiradentes a Juscelino Kubitschek, passando por Tancredo Neves, a política nacional teve em Minas um espelho de sua própria alma: contraditória, paciente, mas também visionária.
A Tradição de Conciliação e Prudência
Tancredo, talvez o mais mineiro dos mineiros, é lembrado não apenas pelo destino trágico que o impediu de tomar posse como presidente, mas pela habilidade de unir opostos em torno de um projeto maior. Era homem de fala mansa e gestos discretos, mas com uma astúcia política que beirava o artesanal. Conduziu a transição da ditadura para a democracia sem bravatas nem rupturas violentas — um mineiro sabe que mudanças profundas se fazem, muitas vezes, em voz baixa.
Outros nomes ajudaram a desenhar esse perfil de Minas como berço político. Juscelino, o presidente que sonhou Brasília, personificava o otimismo desenvolvimentista, fazendo da ousadia um projeto de país. Antes deles, figuras como Itamar Franco, Milton Campos e Pedro Aleixo já demonstravam que, em Minas, a política se escreve com prudência, cálculo e um quê de poesia disfarçada em prosa. Dizia-se que a política em Minas era feita como quem coa café na beira do fogão, medindo as palavras e valorizando o diálogo e o silêncio estratégico.
O Contraste do Presente
No entanto, Minas Gerais parece estar em um momento de profunda descaracterização política. A astúcia conciliadora e a capacidade de unir opostos dão lugar a um cenário dominado por políticos de redes sociais, mais preocupados com “curtidas” do que com consensos.
O contraste é quase ofensivo. Do estadista ao influencer, do conciliador ao piromaníaco digital, do homem que simbolizou a esperança da redemocratização a um deputado que sobrevive de polêmicas rasas. Minas, que já ensinou ao Brasil a arte do acordo e da prudência, hoje exporta barulho, improviso e cálculo raso.
Se antes a política mineira era feita de conversa à beira do fogão, hoje parece reduzida a memes e frases de efeito. Onde havia a sutileza da diplomacia, sobra a brutalidade da autopromoção. Minas, que foi gigante, parece agora satisfeita em ser caricatura.
O deputado Nicolas Ferreira, do PL mineiro, com seu estilo inflamado e focado em polêmicas para vídeos virais, tornou-se um ícone da molecagem política, dessa nova geração, que confunde barulho com liderança e divide mais do que constrói. O mineiro deve estar envergonhado de ter feito dele o deputado mais votado do Brasil para cuspir na história política do estado. O governador Romeu Zema, por sua vez, governa com uma lógica fria de planilha, esquecendo que Minas é feita de sutilezas, de gente e de memória, e não apenas de números. Zema adora exibir sua ignorância, como um troféu.
O contraste é brutal. O Estado que antes oferecia ao Brasil pontes entre lados irreconciliáveis agora parece se contentar com atalhos fáceis, slogans repetidos e a política transformada em espetáculo. A prudência mineira, o ouvido atento e o acordo paciente foram substituídos pela pressa do improviso e pela vaidade da autopromoção.
A Pergunta Incomôda
É doloroso reconhecer que o Estado que ajudou a devolver a democracia ao povo agora é representado por quem reduz o debate público a caricaturas. De Tancredo ao “influencer”, de Juscelino a quem governa com base em planilhas, Minas corre o risco de se tornar irrelevante.
A história mineira ensina que tudo passa — as montanhas permanecem imensas e silenciosas, lembrando que o tempo político é breve. A questão que se impõe é: até quando as montanhas permanecerão silenciosas diante dessa decadência? Quem sabe, entre um eco e outro, Minas ainda reencontre sua voz: aquela que sabe falar baixo, mas que tem a capacidade de mudar os rumos do país.
