Gaza está sumindo do noticiário enquanto o “Holocausto Palestino” se intensifica

O jornalista palestino Sami Shehada perdeu a perna em um ataque em Gaza.

ONU e entidades internacionais não conseguem mais divulgar com a mesma intensidade os horrores em Gaza. A grande imprensa internacional está desistindo de mostrar a destruição, a fome, o genocídio: descaso, cansaço, riscos ou o poder financeiro de grandes grupos econômicos judeus estão fazendo a diferença? Mas a covardia contra crianças, deficientes e mulheres não pode ser escondida. Israel é cada vez mais um pária mundial e se não fosse a submissão americana ao dinheiro judeu, Israel já teria diminuído a sua arrogância e prepotência. Por que paramos de falar sobre Gaza?

Lembro-me dos primeiros dias. As notificações no celular não paravam de chegar. Cada manchete mais chocante que a anterior. Gaza estava em todos os lugares: nas conversas de elevador, nos stories do Instagram, nos jornais e telejornais, inundando a internet. Era impossível ignorar.

Hoje, após meses de cobertura, o silêncio começa a tomar conta do noticiário. Não porque a situação melhorou — pelo contrário, ela se agravou. Mas porque, de alguma forma, todos nós parecemos estar seguindo em frente. Onde está a condenação e articulação dos líderes mundiais? Não há um genocídio acontecendo em Gaza? Como isso aconteceu?

Quando nosso coração se cansa

Existe um limite para quanto sofrimento conseguimos absorver. Psicólogos chamam isso de “fadiga da compaixão” — um mecanismo de defesa que nosso cérebro aciona quando somos bombardeados com tragédias sem fim. É o mesmo motivo pelo qual você consegue passar por um morador de rua na rua e não sentir a mesma pontada no peito que sentia da primeira vez.

A mídia sabe disso. Os algoritmos do Facebook e Instagram também sabem. Eles são programados para nos dar o que queremos ver, não necessariamente o que precisamos saber. E o que queremos ver são novidades, surpresas, plot twists. Uma guerra que se arrasta, com as mesmas imagens trágicas dia após dia, simplesmente perde seu “valor de entretenimento”.

Parece cruel falar assim, mas é a realidade crua de como funcionamos. A tragédia de Gaza virou “notícia velha”, mesmo sendo uma tragédia em curso.

Os repórteres que não podem mais contar a história

Aqui chegamos ao ponto mais doloroso: está ficando impossível cobrir Gaza porque está ficando impossível sobreviver lá como jornalista.

Centenas de jornalistas foram mortos. Não por acaso, não como “dano colateral” — muitos em ataques diretos a suas casas, a veículos claramente marcados como imprensa. Imagine ter que escolher entre contar uma história importante e voltar para casa para jantar com sua família. Que escolha é essa?

Os poucos jornalistas que restam em Gaza são locais. São palestinos relatando a própria tragédia, trabalhando sem luz, sem internet confiável, vendo suas próprias comunidades sendo destruídas. Do lado israelense, o acesso é controlado militar: briefings rápidos, visitas monitoradas, informações filtradas.

O resultado? As redações internacionais ficaram órfãs de fontes independentes. É como tentar entender um filme vendo apenas o trailer — e ainda por cima, um trailer editado por uma das partes do conflito.

O medo de tomar partido (e ser crucificado por isso)

Cobrir Israel e Palestina sempre foi como andar numa corda bamba sobre um vulcão ativo. Qualquer palavra mal escolhida, qualquer enquadramento, qualquer fonte citada pode gerar uma tempestade.

Use a palavra “genocídio” e será acusado de antissemitismo. Evite usar e será acusado de cumplicidade. Chame de “conflito” e dirão que está banalizando. Chame de “guerra” e questionarão se é realmente uma guerra quando as forças são tão desiguais.

Os jornalistas e redações enfrentam campanhas organizadas de assédio online. Emails em massa, ligações para anunciantes, pressão sobre editores-chefes. É mais fácil, mais seguro, simplesmente… falar menos sobre o assunto.

As amizades que influenciam a história

Não é uma conspiração. É algo mais simples e mais complicado ao mesmo tempo: é sobre quem tem acesso a quem.

A maioria dos grandes veículos ocidentais está em países que são aliados de Israel. Isso significa que é mais fácil conseguir uma entrevista com um porta-voz israelense do que com um palestino. É mais fácil ter acesso a dados oficiais israelenses do que palestinos. É mais provável que um analista pró-Israel seja considerado “especialista neutro” do que alguém que defenda a causa palestina.

Não é má-fé. É a realidade de como funcionam as relações internacionais e como elas se traduzem no dia a dia das redações. O resultado, porém, é uma narrativa naturalmente inclinada para quem tem mais poder — político, militar e comunicacional.

O perigo do esquecimento

Talvez você esteja pensando: “E daí? Há outras tragédias no mundo, outras injustiças para acompanhar.” E é verdade. Mas o silêncio sobre Gaza não é apenas sobre Gaza.

Quando deixamos de prestar atenção em atrocidades, elas tendem a piorar. Os holofotes da mídia internacional são, muitas vezes, uma das poucas coisas que freiam os piores impulsos de qualquer conflito. No escuro, tudo pode acontecer.

E há algo mais profundo: nossa capacidade de nos importarmos com o sofrimento alheio é um músculo que precisa ser exercitado. Se deixarmos que atrofie, se normalizarmos o esquecimento, que tipo de sociedade nos tornamos?

O que podemos fazer?

A responsabilidade não é só da mídia. É nossa também.

Como leitores, podemos buscar ativamente notícias sobre temas importantes, mesmo quando elas nos incomodam. Podemos apoiar veículos que investem em reportagem internacional profunda, mesmo que seja mais caro ou trabalhoso de consumir.

Como cidadãos, podemos exigir transparência dos nossos governos sobre suas políticas externas. Podemos questionar por que algumas tragédias recebem mais atenção que outras.

E como seres humanos, podemos resistir à normalização do esquecimento. Podemos lembrar que, por trás de cada estatística, existe uma pessoa com sonhos, medos e uma família que a ama.

Gaza não desapareceu só porque não está mais na primeira página. As pessoas lá ainda acordam cada manhã sem saber se verão o pôr do sol. Merecem que continuemos olhando, questionando, nos importando.

Porque no final das contas, nossa humanidade se mede não apenas por quanto nos importamos, mas por quanto tempo conseguimos continuar nos importando.