A 80ª Assembleia Geral da ONU: um marco em tempos turbulentos

Às vésperas de sua abertura, nesta terça, 9 de setembro, a 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York se prepara para ser um palco de debates cruciais em um cenário global cada vez mais complexo e desafiador. Celebrando 80 anos de existência, a organização enfrenta um dos momentos mais críticos de sua história, com sua relevância e capacidade de ação questionadas diante de crises que se arrastam e novas tensões que emergem. A pauta da Assembleia será inevitavelmente dominada por questões que testam a resiliência do multilateralismo e a própria eficácia da ONU.

O impacto das tarifas de Donald Trump: Uma ferida aberta no comércio global

As políticas comerciais protecionistas implementadas pelo presidente americano Donald Trump continuam a reverberar no cenário internacional. A imposição de tarifas a diversos países, sob a justificativa de proteger a indústria e os empregos americanos, gerou retaliações e uma guerra comercial que desestabilizou as cadeias de suprimentos globais e afetou o crescimento econômico mundial. O legado dessas tarifas persiste, criando um ambiente de incerteza e desconfiança entre parceiros comerciais. A 80ª Assembleia Geral da ONU será um fórum importante para discutir os caminhos para a reconstrução da cooperação econômica e a mitigação dos danos causados por essas políticas unilaterais.

Gaza: a tragédia humanitária e o holocausto palestino

A situação em Gaza permanece uma das maiores chagas humanitárias do século XXI. O termo “holocausto palestino” tem sido utilizado por alguns para descrever a escala da devastação e do sofrimento imposto à população da Faixa de Gaza, que vive sob bloqueio e é constantemente alvo de operações militares. A crise humanitária é profunda, com a escassez de alimentos, água, medicamentos e infraestrutura básica. A comunidade internacional, incluindo a ONU, tem sido criticada por sua aparente ineficácia em proteger os civis e garantir o acesso irrestrito à ajuda humanitária. A Assembleia Geral será um momento crucial para renovar os apelos por um cessar-fogo duradouro, a proteção dos direitos humanos e a busca por uma solução política justa e equitativa para o conflito em Gaza.

A Guerra na Ucrânia: um conflito que desafia a ordem global

O ataque da Rússia à Ucrânia, que se arrasta por anos, continua a ser uma das maiores ameaças à paz e segurança internacionais. O conflito não apenas causou uma devastação humanitária sem precedentes na Ucrânia, com milhões de deslocados e mortos, mas também gerou ondas de choque em todo o mundo, impactando a economia global, a segurança energética e a estabilidade geopolítica. A ONU tem desempenhado um papel fundamental na condenação da agressão, na coordenação da ajuda humanitária e na busca por uma solução diplomática. No entanto, a persistência do conflito e a divisão no Conselho de Segurança da ONU levantam questões sobre a capacidade da organização de fazer valer seus princípios e resoluções. A Assembleia Geral será uma oportunidade para reafirmar o apoio à soberania e integridade territorial da Ucrânia e para buscar caminhos para uma paz justa e duradoura.

Proibição de vistos aos palestinos: uma questão de direitos e dignidade

A recente proibição de vistos imposta pelos Estados Unidos a palestinos, incluindo membros da Autoridade Palestina, adiciona mais uma camada de complexidade à já delicada situação na região. Essa medida, que afeta a liberdade de movimento e o acesso a oportunidades, tem sido amplamente criticada por organizações de direitos humanos e por diversos países. A justificativa de segurança nacional apresentada pelos EUA é vista por muitos como uma forma de pressão política e uma violação dos direitos fundamentais dos palestinos. A questão dos vistos e das restrições de movimento para os palestinos é um reflexo de um problema maior de negação de direitos e de dignidade, que certamente será abordado nos corredores da ONU, onde a busca por igualdade e autodeterminação para o povo palestino é uma pauta constante.

Cortes de financiamento à ONU: um desafio à sua capacidade de atuação

Um aspecto crucial que tem impactado a capacidade de atuação da ONU e que será, sem dúvida, um tema subjacente às discussões da 80ª Assembleia Geral, são os cortes de financiamento, notadamente aqueles implementados pela administração do presidente dos EUA, Donald Trump. Os Estados Unidos, tradicionalmente o maior contribuinte para o orçamento da ONU e suas agências, reduziram significativamente suas contribuições em diversas áreas, incluindo missões de paz, programas humanitários e agências especializadas como a Organização Mundial da Saúde (OMS) и a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA).

Esses cortes tiveram consequências diretas e severas. Agências da ONU foram forçadas a reduzir postos de trabalho e serviços essenciais, impactando milhões de pessoas que dependem da ajuda humanitária e dos programas de desenvolvimento. A redução de fundos para ajuda externa, por exemplo, colocou em risco a vida de milhões de pessoas e comprometeu o combate a doenças e a promoção da saúde global. A justificativa para tais cortes frequentemente se baseava em alegações de ineficiência e falta de alinhamento com os interesses americanos, forçando a ONU a buscar novas formas de financiamento e a provar seu valor em um cenário de recursos limitados.

A 80ª Assembleia Geral, ao mesmo tempo em que celebra os 80 anos da organização, serve como um lembrete da necessidade de um financiamento estável e previsível para que a ONU possa cumprir seu mandato. A discussão sobre a reforma da organização, que busca maior eficiência e modernização, ganha ainda mais relevância diante da pressão orçamentária, evidenciando a interconexão entre a capacidade financeira e a eficácia do multilateralismo.

A perda de protagonismo da ONU: desafios e a busca por relevância

Em seus 80 anos de existência, a Organização das Nações Unidas tem sido um pilar fundamental na promoção da paz, da cooperação internacional e dos direitos humanos. No entanto, a crescente polarização global, a ascensão de nacionalismos e a ineficácia em resolver conflitos prolongados têm levado a questionamentos sobre o real protagonismo da ONU no cenário mundial. A paralisia do Conselho de Segurança em questões cruciais, a falta de consenso entre os membros e a dificuldade em implementar resoluções são alguns dos fatores que contribuem para essa percepção. A 80ª Assembleia Geral será um momento para a ONU refletir sobre seu papel, buscar reformas internas e reafirmar sua relevância em um mundo que clama por soluções multilaterais para desafios que transcendem fronteiras. A capacidade da organização de se adaptar e de responder eficazmente às crises atuais e futuras determinará seu legado e sua importância nas próximas décadas.

A Assembleia Geral da ONU: Visão Geral e Funcionamento

Criada em 1945 pela Carta das Nações Unidas, a Assembleia Geral da ONU é o principal órgão de debate e formulação de políticas da organização. Ela reúne os 193 Estados-membros em um fórum para discussões multilaterais sobre questões internacionais e desempenha um papel fundamental na criação de normas e na codificação do direito internacional.

Cada um dos 193 Estados-membros tem direito a um voto. As decisões sobre temas importantes, como paz, segurança, eleição de membros para outros conselhos e orçamento, exigem uma maioria de dois terços. Outras questões são aprovadas por maioria simples.

A Assembleia Geral se reúne anualmente de setembro a dezembro, com sessões adicionais de janeiro a setembro para tratar de temas atuais e adotar novas resoluções.

A 80ª sessão da Assembleia Geral da ONU (UNGA80) começará em 9 de setembro de 2025. O Debate Geral, onde líderes mundiais discursam, ocorrerá de 23 a 29 de setembro.

Para o Debate Geral deste ano, 144 Estados-membros solicitaram espaço para discursar. A participação inclui:

  • 101 chefes de Estado
  • 2 vice-presidentes
  • 29 chefes de governo
  • 9 ministros
  • 2 chefes de delegação

Cada delegação terá um limite de tempo de 15 minutos para sua fala. A ordem dos discursos é determinada pela ordem de inscrição e por critérios de protocolo.



NOSSA OPINIÃO

A ONU, do jeito que está, não serve mais

A Organização das Nações Unidas nasceu em 1945 para evitar novas guerras, proteger os direitos humanos e garantir segurança coletiva. Mas o que se vê hoje é uma entidade travada, incapaz de reagir diante dos piores horrores do nosso tempo.

Enquanto crianças morrem de fome em Gaza, genocídios avançam na África e populações inteiras vivem sob bombardeios, o Conselho de Segurança permanece paralisado. O poder de veto dos cinco membros permanentes – EUA, Rússia, China, França e Reino Unido – bloqueia qualquer ação efetiva. Uma arquitetura pensada para manter o equilíbrio mundial acabou virando uma arma de paralisia.

Assembleia de discursos, não de decisões

Na próxima semana, em Nova York, começa a 80ª Assembleia Geral da ONU, com a abertura marcada para 9 de setembro e o Debate Geral de Alto Nível previsto para 23 de setembro. Líderes mundiais sobem à tribuna em discursos eloquentes, mas a realidade é dura: a Assembleia é palco, não instrumento de mudança. Suas resoluções não têm força obrigatória. São declarações de intenção, muitas vezes ignoradas no minuto seguinte.

O peso das decisões unilaterais

Se a paralisia do Conselho de Segurança já compromete a credibilidade da ONU, os gestos unilaterais de grandes potências acentuam ainda mais a sua irrelevância. Donald Trump, em seu novo mandato, retirou o visto da delegação palestina nos EUA, impôs tarifas extorsivas a diversos países e anunciou o envio de tropas para o litoral da Venezuela.

Cada uma dessas ações tem impacto global, mas nenhuma passou pela ONU. O multilateralismo perde espaço para a diplomacia de força, onde interesses nacionais se sobrepõem ao diálogo coletivo.

O papel do Brasil

O Brasil insiste em defender a reforma do Conselho de Segurança e pleiteia um assento permanente. É justo. Mas, enquanto não houver mudança estrutural, sua voz continuará limitada. Resta ao país a tentativa de exercer liderança moral em temas como combate à fome, mudanças climáticas e desigualdade, mas sempre dentro de um organismo que fala mais do que age.

A encruzilhada

A ONU ainda mantém agências vitais, como a OMS e o Programa Mundial de Alimentos (PMA), que salvam milhões de vidas. Mas, em seu núcleo político, está falhando.

Diante de um mundo fragmentado, em que guerras se multiplicam e potências agem à revelia das regras coletivas, a ONU arrisca-se a ser lembrada apenas como um organismo burocrático, eloquente, porém impotente.

Do jeito que está, a ONU caminha para a irrelevância.