
A pergunta é dura, mas necessária: será que a comunidade internacional só irá agir diante da crise humanitária em Gaza caso um novo grande conflito mundial se torne inevitável? O cenário atual, marcado por ofensivas militares, deslocamentos em massa e colapso humanitário, remete a algumas das páginas mais sombrias do século 20 — justamente aquelas em que o povo judeu foi vítima de perseguição, guetos e campos de extermínio. A ironia histórica salta aos olhos e desafia a consciência global.
A Ironia da História: De Vítimas do Holocausto a Algozes?
A fundação do Estado de Israel em 1948, logo após o Holocausto nazista, foi vista por muitos como um ato de justiça histórica. O deslocamento de cerca de 750 mil palestinos (Nakba) estabeleceu, no entanto, as bases para um conflito permanente. Décadas depois, as imagens de palestinos confinados em Gaza, impedidos de sair, submetidos a bombardeios e crises de fome, provocam comparações incômodas.
O uso dos termos “genocídio” e “holocausto” para descrever a situação em Gaza é motivo de grande controvérsia. Quando o presidente Lula, durante reunião do Brics em 2024, afirmou que “o que está acontecendo em Gaza é um genocídio, semelhante ao Holocausto”, entidades judaicas brasileiras e internacionais reagiram com indignação, classificando a fala como “banalização do Holocausto” e “ofensa à memória histórica”. Para críticos, no entanto, não se trata de equiparar tragédias, mas de denunciar práticas que configuram crimes contra a humanidade.
Contextualização Histórica e Escalada Recente
Desde 1948, a questão palestina foi marcada por ciclos de guerra (1967, 1973), levantes populares (Intifadas), iniciativas de paz fracassadas (Oslo) e agravamento do isolamento de Gaza. A ofensiva israelense de outubro de 2023, após ataques do Hamas, desencadeou uma escalada sem precedentes: mais de 56 mil palestinos mortos, quase 2 milhões de deslocados e um colapso humanitário denunciado por ONU, HRW e Médicos Sem Fronteiras.
Israel impôs evacuações em massa, bombardeando inclusive zonas apontadas como “seguras”, como Rafah. O plano de criar uma “cidade humanitária” para confinar até 600 mil palestinos foi classificado por analistas e entidades globais como tentativa de limpeza étnica — e rejeitado até por setores do próprio Exército de Israel, que alertaram para possíveis crimes de guerra.
Paradoxo e Polêmicas: Genocídio ou Defesa?
A legalidade e a ética das ações israelenses são questionadas por organismos internacionais. O Tribunal Internacional de Justiça discute se há genocídio em curso. Israel e seus apoiadores rebatem, afirmando que se defendem de ataques terroristas do Hamas, e consideram ofensivo o uso do termo “genocídio”.
O debate ganhou o noticiário global após líderes como Lula e o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa denunciarem a situação em Gaza. Entidades judaicas e o governo de Israel afirmaram que tais comparações “trivializam o Holocausto” e negam a especificidade do sofrimento judeu. Para analistas, a irritação se explica pelo peso simbólico desses termos, mas não apaga a gravidade dos fatos em Gaza.
O Poder das Imagens e a Revolução dos Celulares em Gaza
O século 21 assiste a uma revolução na forma como guerras e crises humanitárias são documentadas e percebidas. Se, no passado, a narrativa dos conflitos era filtrada por grandes redes de mídia, muitas delas alinhadas a interesses políticos e econômicos de potências globais — inclusive grupos ligados à comunidade judaica internacional —, hoje os celulares romperam esse filtro.
Em Gaza, diante do cerco e da presença limitada de jornalistas estrangeiros, civis e profissionais locais tornaram-se os olhos do mundo. Gravações feitas em tempo real, frequentemente sob bombardeio, viralizam em redes sociais e aplicativos de mensagens, mostrando o sofrimento, o medo e a resistência cotidiana da população palestina. Essas imagens têm o poder de sensibilizar audiências globais, influenciar decisões políticas e mobilizar solidariedade internacional.
A circulação dessas imagens desafia versões oficiais e expõe violações de direitos humanos quase em tempo real. Organizações como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional usam vídeos de civis como prova em suas investigações. O impacto é tão grande que governos e plataformas digitais são pressionados a moderar ou até censurar conteúdos, numa batalha por narrativas que ultrapassa o front físico e chega ao front digital.
Ao democratizar a produção da informação, os celulares em Gaza anulam, em parte, o poder de atores tradicionais da mídia global. A dor e o apelo por justiça saltam das telas de celulares para as ruas de Nova York, Paris, São Paulo e Jacarta. É um fenômeno que transforma espectadores em testemunhas e, potencialmente, em agentes de mudança.
Dados Relevantes
- Mortes e deslocados: Mais de 56 mil palestinos mortos; até 2 milhões de deslocados desde outubro de 2023.
- Crianças em risco: Má nutrição aguda subiu 50%; casos graves aumentaram 146% entre abril e maio de 2025.
- Infraestrutura: 80% dos prédios no norte de Gaza destruídos; sistema de saúde à beira do colapso.
- Evacuados: Israel forçou a saída de 1,9 milhão de palestinos, inclusive de Rafah.
Atores e Planos Polêmicos
O impasse opõe Israel (com governo e Exército divididos sobre a estratégia), o Hamas (ainda com força em Rafah), e uma comunidade internacional paralisada. O Qatar tenta intermediar um cessar-fogo, mas com pouco avanço. Os EUA seguem apoiando Israel, enquanto Donald Trump propõe ideias como a construção de um resort em Gaza — vista por muitos como afronta à situação humanitária.
Um tema complexo: o mundo irá apenas assistir?
Desafios:
O deslocamento de massas, colapso de serviços e traumas psicológicos violam o Direito Internacional. O risco de regionalização do conflito é real, com envolvimento de Irã, Hezbollah e milícias.
Oportunidades:
A pressão internacional aumenta, especialmente da ONU e UE, e pode abrir espaço para negociações reais. Toda a comoção global pode forçar a busca por soluções humanas e diplomáticas.
Divergências:
Israel justifica suas ações como segurança nacional, mas enfrenta críticas internas e internacionais. O uso dos termos “genocídio” e “holocausto” segue inflamando o debate político e midiático.
E Se o Mundo Não Agir?
Sem uma reação global coordenada, o cenário em Gaza pode se tornar uma catástrofe “além da imaginação” — expressão usada por agências humanitárias. Um novo grande conflito mundial é improvável, mas a pressão popular pode forçar governos a agir. Alternativas passam por pressão diplomática, responsabilização jurídica internacional, proteção de civis e reconstrução sob supervisão global.
O futuro dos palestinos em Gaza é um teste de civilização para o século 21. A resposta da comunidade internacional — ou sua omissão — dirá se aprendemos algo com as tragédias do passado.