“O motor do desenvolvimento está falhando”: Guterres lança apelo urgente em Sevilha por reforma financeira global

O chefe da ONU António Guterres, discursa durante a 4ª Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento, em Sevilha, na Espanha

Em um discurso contundente, sob o calor recorde que castiga a Andaluzia, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, declarou que o sistema de desenvolvimento sustentável global está à beira do colapso. “O financiamento é o motor do desenvolvimento e, neste momento, esse motor está falhando”, alertou ele na abertura da 4ª Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FFD4), que reúne cerca de 60 líderes mundiais e mais de 15.000 delegados em Sevilha.

A mensagem de Guterres ecoou a urgência de um planeta abalado por múltiplas crises: desigualdades crescentes, caos climático e conflitos violentos. Segundo ele, o multilateralismo, pilar da cooperação internacional, também “sente o calor”, com a confiança entre nações e instituições se desgastando a olhos vistos.

O cenário descrito é alarmante. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, um pacto global firmado em 2015 para construir um futuro mais justo e próspero, “está em perigo”. Cerca de dois terços das metas traçadas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estão significativamente fora do rumo. Para reverter essa trajetória, seria necessário um investimento colossal de US$ 4 trilhões anuais.

“Estamos aqui em Sevilha para mudar de rumo. Para consertar e acelerar o motor do desenvolvimento”, afirmou Guterres, apresentando um plano de ação claro e direto.

Um Roteiro de Três Vias para Salvar o Futuro

O chefe da ONU delineou três áreas de ação cruciais para resgatar a promessa do desenvolvimento:

  1. Acelerar o Fluxo de Recursos: Guterres pediu que os recursos fluam rapidamente para os países em desenvolvimento, estimulando o crescimento sustentável. Isso exige que as nações mais ricas finalmente cumpram seus compromissos, como dobrar a ajuda aos países mais pobres. Além disso, propôs triplicar a capacidade de empréstimo dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento e criar soluções inovadoras para destravar o capital privado.
  2. Reparar o Sistema de Dívida: O sistema atual foi classificado como “insustentável, injusto e insustentável”. Países de baixa renda gastam hoje cerca de US$ 1,4 trilhão apenas em juros de suas dívidas, um valor que sufoca qualquer possibilidade de investimento em saúde, educação ou infraestrutura. A conferência busca criar novos mecanismos, como um fórum de mutuários, para garantir resoluções mais justas.
  3. Reformar a Arquitetura Financeira Global: A proposta mais ambiciosa é redesenhar o sistema financeiro global para que ele sirva a todos os países, não apenas a uma minoria. “Precisamos de um sistema tributário global mais justo, moldado por todos, não apenas por alguns”, defendeu Guterres.

Essa crise, ressaltou ele, é, em sua essência, “uma crise de pessoas”, que deixa famílias com fome, crianças sem vacinas e meninas fora da escola. “Esta conferência não é sobre caridade. É sobre restaurar a justiça”, concluiu.

O Compromisso de Sevilha e a Sombra do Protecionismo

O resultado central da conferência é o chamado Compromisso de Sevilha, adotado como uma “promessa global” para apoiar as nações de baixa renda. Contudo, uma ausência notável lança uma sombra sobre o acordo: os Estados Unidos, que se retiraram do processo no início deste mês, um sinal claro dos “enormes ventos contrários” ao multilateralismo citados por Guterres.

Anfitriões do evento, o Rei Felipe da Espanha e o primeiro-ministro Pedro Sánchez reforçaram o apelo por ação. Sánchez descreveu Sevilha como “a Nova York do século XVI” e um “berço do globalismo”, instando os líderes a honrarem esse legado. “Nossa hora é agora e nosso lugar é aqui. Devemos escolher a ambição em vez da paralisia, a solidariedade em vez da indiferença”, disse ele.

Vozes Uníssonas por Mudança

Outras lideranças globais se somaram ao coro de urgência. Ajay Banga, presidente do Grupo Banco Mundial, destacou que o capital do setor privado é essencial para fechar a lacuna de financiamento. Já Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), alertou que o sistema de comércio global, um motor histórico de desenvolvimento, está “severamente interrompido” por tarifas unilaterais e incertezas políticas. Ela defendeu veementemente que os países menos desenvolvidos sejam isentos de novas barreiras tarifárias para não serem ainda mais excluídos.

Por sua vez, o Fundo Monetário Internacional (FMI), representado por Nigel Clarke, pediu o fortalecimento da base tributária dos países e a melhoria dos processos de reestruturação da dívida.

Li Junhua, Secretário-Geral da conferência, resumiu o sentimento geral: “Sevilha não é um ponto final, é uma plataforma de lançamento para uma nova era de implementação, responsabilização e solidariedade”. O desafio, agora, é transformar as palavras em ações concretas antes que o motor do desenvolvimento pare de vez.