França e Reino Unido avançam com leis sobre eutanásia e morte assistida; debate pode ganhar força no Brasil

Câmara dos Comuns apoia projeto de Lei para Adultos com Doenças Terminais

Parlamentos europeu sinalizam mudança histórica nos direitos de pacientes com doenças terminais. No Brasil, tema ainda enfrenta resistência religiosa e vácuo jurídico.

Em um movimento que pode redefinir a forma como a sociedade lida com o fim da vida, a Assembleia Nacional da França aprovou um projeto de lei que autoriza a prática da eutanásia em casos específicos. A proposta, que ainda precisa passar pelo crivo do Senado francês, estabelece critérios rigorosos para a aplicação do procedimento, incluindo idade mínima de 18 anos, nacionalidade francesa ou residência legal no país, e o diagnóstico de doença grave, incurável e em estágio avançado ou terminal, com sofrimento físico ou psíquico intolerável.

Além disso, a nova legislação francesa garante aos médicos o direito de objeção de consciência, ou seja, poderão recusar-se a realizar a eutanásia sem sofrer sanções.

Quase simultaneamente, o Parlamento do Reino Unido deu um passo semelhante ao aprovar, na Câmara dos Comuns, por 314 votos a 291, o Projeto de Lei para Adultos com Doenças Terminais, que prevê o direito ao suicídio assistido na Inglaterra e no País de Gales. O projeto segue agora para a Câmara dos Lordes, onde ainda será debatido e, se aprovado, poderá entrar em vigor até 2029. A votação britânica ocorreu de forma simbólica, com parlamentares compartilhando relatos emocionados de perdas pessoais.

A deputada trabalhista Kim Leadbeater, que liderou o projeto, comemorou: “Sei o que isso significa para pessoas com doenças terminais e seus entes queridos”.

Reflexos no Brasil: debate ético e jurídico

No Brasil, a eutanásia ativa ainda é considerada crime de homicídio, de acordo com o artigo 121 do Código Penal. O país, no entanto, reconhece a ortotanásia — ou morte natural assistida — desde 2006, por resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM). Essa prática permite a suspensão de tratamentos fúteis em pacientes terminais, desde que com consentimento do paciente ou da família, sem configurar crime.

Para Raul Canal, presidente da Anadem (Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética), os avanços legislativos na Europa reacendem a necessidade de discutir a autonomia do paciente no Brasil. “É preciso tratar o tema da morte assistida com responsabilidade, sem tabus ou simplificações. O direito à vida não pode ser interpretado como uma obrigação de prolongamento artificial da existência em situações de sofrimento extremo”, afirmou.

Canal ressalta que o envelhecimento da população e o aumento das doenças crônicas exigem respostas jurídicas claras. “Precisamos avançar para um marco legal que traga segurança jurídica tanto para pacientes quanto para médicos, estabelecendo critérios claros, protocolos rigorosos e mecanismos de controle”, defendeu.

Propostas paradas no Congresso

A eutanásia já foi tema de projetos no Congresso Nacional, mas sem avanços concretos. O Projeto de Lei nº 125, de 1996, propôs descriminalizar a prática e o suicídio assistido. Já o PL nº 236, de 2012, sugeria reformas no Código Penal, com penas atenuadas para casos de eutanásia motivada por compaixão e consentimento da vítima. Nenhum dos dois textos chegou a ser votado em plenário.

Hoje, a resistência mais significativa à mudança legislativa parte de setores religiosos, que defendem a inviolabilidade da vida como princípio absoluto.

O papel da Anadem

Fundada em 1998, a Anadem atua na defesa de profissionais da saúde e tem se posicionado como referência em questões de bioética e direito médico no Brasil. A entidade promove debates sobre temas controversos, como a eutanásia, buscando equilibrar os direitos do paciente com a segurança jurídica do médico.

Caminhos futuros

Com os recentes avanços em países como França e Reino Unido, cresce a pressão para que o Brasil retome o debate sobre a morte digna, sobretudo diante de um cenário em que a medicina prolonga vidas, mas nem sempre garante qualidade no final delas.

Enquanto não há mudanças legais, profissionais da saúde seguem orientados pelos princípios do CFM e por decisões judiciais pontuais — o que reforça a urgência de um debate ético, jurídico e social mais profundo sobre o tema.