1,7 milhão: trabalho por aplicativos cresce 25% no Brasil e expõe desafios da economia digital

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O número de brasileiros que trabalham por meio de aplicativos cresceu 25,4% entre 2022 e 2024, segundo levantamento do IBGE em parceria com a Unicamp e o Ministério Público do Trabalho. Esse avanço consolida uma nova forma de ocupação no país, mas também expõe tensões crescentes relacionadas a direitos trabalhistas, proteção social e regulamentação. Com bases legais ainda frágeis, esses trabalhadores vivem numa fronteira tênue entre autonomia e precarização.

O fenômeno se intensificou com a popularização de aplicativos como Uber, 99, iFood e Rappi, ganhando força durante a pandemia de COVID-19, quando muitas pessoas que perderam o emprego formal recorreram às plataformas como alternativa de renda. Em 2022, o IBGE estimava 1,5 milhão de pessoas atuando via aplicativos — cerca de 1,7% da população ocupada do setor privado. Dados do Cebrap apontam que, em 2024, esse universo já alcançava aproximadamente 2,2 milhões de trabalhadores, considerando motoristas e entregadores.

O perfil desses trabalhadores revela características marcantes: 81,3% são homens, 48,4% têm entre 25 e 39 anos, e 61,3% possuem ensino médio completo ou superior incompleto. A maioria (77,1%) atua por conta própria, sem vínculo formal. A jornada média é de 46 horas semanais — superior às 39,5 horas dos trabalhadores convencionais — e a contribuição previdenciária é baixa. Motoristas ganham entre R$ 3.083 e R$ 4.400 mensais com 40 horas semanais, enquanto entregadores recebem entre R$ 2.669 e R$ 3.581

Apesar da aparente autonomia, a realidade mostra forte subordinação aos algoritmos das plataformas. Cerca de 97,3% dos motoristas e 84,3% dos entregadores afirmam que o aplicativo determina o valor das tarefas, enquanto 87,2% e 85,3%, respectivamente, dizem que o app define os clientes. Essa “subordinação algorítmica” torna difusa a linha entre trabalho autônomo e relação de emprego, gerando debates jurídicos sobre direitos e regulação adequada.

A precarização é evidente: ausência de proteção social, instabilidade de renda, exposição a acidentes e falta de cobertura em casos de doença caracterizam essa modalidade de trabalho. Estudos mostram que entregadores e motoristas de aplicativos recebem, por hora trabalhada, de R$ 1,90 a R$ 3,40 a menos que seus equivalentes fora das plataformas. As desigualdades regionais agravam o cenário: no Nordeste, esses trabalhadores ganham em média 40,8% menos que nas demais regiões do país.

O Brasil ainda não possui legislação nacional consolidada para regular as relações de trabalho em plataformas digitais. Debates sobre vínculo empregatício, regime tributário, contribuição previdenciária e segurança no trabalho permanecem inconclusos. Especialistas e o MPT defendem uma regulação específica que preserve direitos fundamentais sem inviabilizar a inovação, mas alertam que soluções mal calibradas podem encarecer serviços e excluir trabalhadores que dependem dessas plataformas.

Entre os possíveis caminhos para o futuro, destaca-se a necessidade de modelos regulatórios híbridos que reconheçam as especificidades da economia de plataforma — incluindo seguro obrigatório, contribuição previdenciária mínima e mecanismos de arbitragem justa. O fortalecimento de dados estatísticos robustos, o crescimento de organizações coletivas de trabalhadores e a exploração de modelos cooperativos alternativos também aparecem como tendências relevantes para construir um cenário mais equilibrado.

O crescimento de 25,4% no trabalho por aplicativos confirma que a economia de plataforma é componente estrutural do mercado brasileiro, não uma tendência passageira. Contudo, esse avanço vem acompanhado de desafios profundos: precarização, desigualdades e incerteza jurídica. As decisões políticas tomadas nos próximos anos definirão se esse modelo será fonte de inovação com dignidade ou de expansão da informalidade e vulnerabilidade no país.